Detalhe
Considerando que o exercício da ação penal não depende exclusivamente de prévio inquérito policial;
Considerando o que dispõem o art. 26 da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 - Lei Orgânica Nacional do Ministério Público -, o art. 8° da Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993 - Lei Orgânica do Ministério Público da União -, o art. 83, I e XVII, d, da Lei Complementar Estadual n. 197/00 - Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina - e o art. 4°, parágrafo único, do Código de Processo Penal;
Considerando que o Brasil, como Estado-parte de Convenções Internacionais de Direitos Humanos e de outros instrumentos internacionais, comprometeu-se a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e às liberdades fundamentais;
Considerando que os Estados-membros do Brasil devem, na defesa dos direitos humanos, priorizar a investigação e o combate aos delitos que ameacem ou impeçam a concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a exemplo de tortura, execuções sumárias, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, corrupção etc;
Considerando que a atual realidade social está cada vez mais a exigir que o Ministério Público se posicione à frente das investigações criminais, sobretudo aquelas que apresentem um maior grau de complexidade ou de sofisticação no seu processo de execução ou em relação às quais tenha havido omissão ou insuperável deficiência da autoridade responsável pela investigação;
Considerando a necessidade de disciplinar, no âmbito do Ministério Público de Santa Catarina, a instauração e tramitação do Procedimento Investigatório Criminal - PIC;
Considerando a orientação expedida pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça no sentido de se uniformizar os procedimentos investigatórios criminais conduzidos pelo Ministério Público; e
Considerando a necessidade de efetivar-se o combate à criminalidade, primando pelo resguardo do poder punitivo estatal,
RESOLVEM:
CAPÍTULO I
DA DEFINIÇÃO E FINALIDADE
Art. 1° O procedimento investigatório criminal - PIC - é instrumento de natureza administrativa e inquisitória, instaurado e presidido pelo Ministério Público, tendo por fim a obtenção dos esclarecimentos necessários à apuração de infrações penais de ação penal pública.
Parágrafo único. O procedimento investigatório criminal não exclui a possibilidade de formalização de investigação por outros órgãos da Administração Pública e não constitui pressuposto processual para o ajuizamento de ação penal.
CAPÍTULO II
DA INSTAURAÇÃO
Art. 2° O procedimento investigatório criminal poderá ser instaurado:
I - de ofício, pelo membro do Ministério Público com atribuições criminais, ao tomar conhecimento de infração penal, por qualquer meio, entre os quais:
a) comunicação originada de outro membro do Ministério Público, de autoridade judicial ou policial ou ainda de qualquer outra autoridade;
b) requerimento de qualquer pessoa; e
c) representação da vítima ou de seu representante legal quando a lei a exigir;
II - pelo Procurador-Geral de Justiça ou pelo membro do Ministério Público por ele designado, em caso de discordância da promoção de arquivamento de peças informativas ou do indeferimento do pedido de instauração.
§1° Da decisão que indefere o requerimento de instauração de procedimento investigatório criminal, caberá recurso ao Procurador-Geral de Justiça, no prazo de 10 (dez) dias.
§2° A designação a que se refere o inciso II deverá recair sobre membro do Ministério Público diverso daquele que promoveu o arquivamento.
Art.3° O procedimento investigatório criminal será instaurado por portaria, devidamente autuada e registrada em livro próprio, a qual deverá conter:
I - a descrição do fato objeto de investigação e o meio ou a forma pelo qual dele se tomou conhecimento;
II - o nome e a qualificação do autor da representação, se for o caso;
III - a determinação das diligências iniciais; e
IV - o servidor ou estagiário que funcionará como secretário.
§ 1° Se, durante a instrução do procedimento investigatório criminal, for constatada a necessidade de investigação de outros fatos, o membro do Ministério Público poderá aditar a portaria inicial ou determinar a extração de peças para quaisquer das providências mencionadas no art. 4° deste Ato.
§ 2° O membro do Ministério Público que instaurar o procedimento investigatório criminal ou que aditar a portaria inicial deverá comunicar à Corregedoria-Geral do Ministério Público e ao Centro de Apoio Operacional com atuação na área a que pertence a matéria investigada a instauração e o aditamento.
Art. 4° Em poder das peças informativas, o membro do Ministério Público poderá:
I - promover a ação penal cabível;
II - instaurar Procedimento investigatório criminal;
III - requerer, perante o Juizado Especial Criminal, a designação da audiência preliminar de que trata o art. 72 da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, caso a infração seja de menor potencial ofensivo;
IV - promover fundamentadamente o respectivo arquivamento;
V - requisitar a instauração de inquérito policial; ou
VI - remetê-las ao órgão competente.
Art. 5° Ressalvadas as substituições decorrentes de faltas e impedimentos legais, caberá ao membro do Ministério Público que detenha a respectiva atribuição:
I - receber, após protocolo e distribuição, as representações, notícias-crime e peças informativas; e
II - instaurar e presidir o procedimento investigatório criminal.
§1° O conflito de atribuições será dirimido pelo Procurador-Geral de Justiça, nos termos do art. 92 da Lei Complementar Estadual n. 197/00.
§2° É admitida a atuação simultânea no mesmo procedimento investigatório criminal:
I - de mais de um membro do Ministério Público; e
II - entre membros do Ministério Público da União e dos Estados.
§ 3° Incumbe ao Procurador-Geral de Justiça instaurar e presidir o procedimento investigatório criminal, pessoalmente ou mediante delegação, quando a autoridade noticiada ou investigada gozar de prerrogativa de foro em razão da função, conforme disciplinado na Constituição da República e na Constituição do Estado.
CAPÍTULO III
DA INSTRUÇÃO
Art. 6° Sem prejuízo de outras providências inerentes à sua atribuição funcional e legalmente previstas, o membro do Ministério Público, ao presidir as investigações, poderá:
I - fazer ou determinar a execução de vistorias e inspeções;
II - nomear peritos e tomar deles o respectivo compromisso;
III - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades, órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, da União, do Estado e dos Municípios, acompanhando as diligências, quando necessário;
IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;
V - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, nos casos de ausência injustificada, ressalvadas as prerrogativas legais;
VI - acompanhar buscas e apreensões deferidas pela autoridade judiciária;
VII - acompanhar o cumprimento de mandados de prisão preventiva ou temporária expedidos pela autoridade judiciária.
§1° O prazo fixado para resposta às requisições do Ministério Público será de 10 (dez) dias úteis, a contar do recebimento, salvo em caso de relevância e urgência ou em casos de complementação de informações.
§2° Ressalvadas as hipóteses de urgência, as notificações para comparecimento devem ser efetivadas com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, respeitadas, em qualquer caso, as prerrogativas legais pertinentes.
§3° A notificação deverá mencionar o fato investigado e a faculdade do notificado de fazer-se acompanhar por advogado.
§4° No exercício de suas funções, ou para assegurar o cumprimento de suas determinações, o membro do Ministério Público poderá requisitar o auxílio de força policial.
§5° Sem prejuízo da colaboração prestada por órgãos conveniados ou por outros organismos públicos ou privados, o presidente do procedimento investigatório criminal poderá solicitar à autoridade responsável a designação de servidor do Ministério Público ou de pessoa habilitada para a prática de diligências ou atos necessários à apuração dos fatos, mediante compromisso.
Art. 7° Incumbe ao Procurador-Geral de Justiça encaminhar as requisições e notificações, em procedimentos investigatórios criminais instaurados por outros órgãos do Ministério Público, quando tiverem como destinatários:
a) Chefe do Poder Executivo da União ou dos Estados;
b) Ministros de Estado;
c) membros do Congresso Nacional ou das Assembléias Legislativas;
d) membros dos Tribunais de Contas da União e dos Estados;
e) membros do Supremo Tribunal Federal ou dos Tribunais Superiores, ou ainda dos órgãos do Poder Judiciário em segundo grau de jurisdição; ou
f) membros do Ministério Público no último grau da carreira ou que atuem perante o Poder Judiciário em segundo grau de jurisdição.
Parágrafo único. O presidente do procedimento investigatório criminal, ao expedir requisições ou notificações em relação a quaisquer das autoridades mencionadas no caput deste artigo, deverá encaminhá-las ao Procurador-Geral de Justiça, com antecedência de 10 (dez) dias, quando tratar-se de notificação, salvo os casos de justificada urgência.
Art. 8° O investigado será ouvido, salvo:
I - se houver dificuldade justificada em fazê-lo;
II - em situações justificadas de urgência; e
III - se, de algum modo, venha a acarretar prejuízo à eficácia dos provimentos jurisdicionais cautelares.
§1° A oitiva do investigado será realizada preferencialmente ao final do procedimento investigatório criminal, podendo ser convertida em pedido de explicações, por escrito, em prazo a ser fixado pelo presidente do procedimento investigatório criminal.
§ 2° Na notificação, o investigado será cientificado dessa condição e da faculdade de se fazer acompanhar por advogado.
§3° O investigado poderá, no curso do procedimento investigatório criminal, requerer a juntada de documentos e outras diligências, cujo deferimento, na segunda hipótese, ficará a critério do presidente do procedimento.
Art. 9° As diligências serão documentadas em auto circunstanciado.
Art. 10. As declarações e os depoimentos serão tomados por termo.
Art. 11. Quando necessária, a diligência poderá ser deprecada ao membro do Ministério Público local, assinalando-se prazo razoável para cumprimento, sendo facultado ao membro do Ministério Público deprecante o acompanhamento da(s) diligência(s).
Parágrafo único. A deprecação poderá ser feita por qualquer meio hábil de comunicação, devendo ser formalizada nos autos.
Art. 12. Para fins exclusivos de instrução do procedimento investigatório criminal ou do ajuizamento de ação penal dele decorrente, as cópias de documentos originais poderão ser conferidas com os originais, lançando o membro do Ministério Público ou o servidor designado, nos autos, a respectiva certidão.
Art. 13. A pedido da pessoa interessada, será fornecida comprovação escrita de comparecimento ao ato praticado no curso do procedimento investigatório criminal.
Art. 14. O procedimento investigatório criminal deverá ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias, contados de sua instauração, prorrogável por decisão fundamentada do membro do Ministério Público responsável pela investigação, à vista da imprescindibilidade da realização ou conclusão de diligências, com comunicação à Corregedoria-Geral do Ministério Público e ao respectivo Centro de Apoio Operacional.
Parágrafo único. Se o investigado estiver preso, o prazo de conclusão será de 10 (dez) dias a contar da prisão, nos termos do art. 10 do Código de Processo Penal.
CAPÍTULO IV
DA PUBLICIDADE
Art. 15. Os atos e as peças do procedimento investigatório criminal são públicos, nos termos deste Ato, salvo disposição legal em contrário ou por razões de interesse público.
Parágrafo único. A publicidade consistirá:
I - na expedição de certidão, mediante requerimento da parte diretamente interessada, do Poder Judiciário, do Ministério Público e de outros órgãos públicos;
II - na concessão de vista dos autos, nos termos do inciso I deste artigo;
III - na extração de cópias, nos termos do inciso I deste artigo; e
IV - na prestação de informações ao público em geral, a critério do presidente do procedimento investigatório criminal, observados o princípio da não-culpabilidade e as hipóteses legais de sigilo.
Art. 16. O sigilo das investigações, sem prejuízo do disposto na Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994, poderá ser decretado pelo presidente do procedimento investigatório criminal, por decisão fundamentada, quando a elucidação do fato o exigir.
CAPÍTULO V
DA CONCLUSÃO E DO ARQUIVAMENTO
Art. 17. A conclusão do procedimento investigatório criminal será comunicada ao Procurador-Geral de Justiça, e, se for o caso, a denúncia será oferecida no prazo legal contado desta data.
Art. 18. Se o presidente do procedimento investigatório criminal convencer-se da inexistência de fundamento para a propositura da ação penal pública, deverá promover o arquivamento dos autos ou das peças de informação, fazendo-o fundamentadamente.
Parágrafo único. A promoção de arquivamento será apresentada ao Juízo competente, aplicando-se a regra do art. 28 do Código de Processo Penal.
Art. 19. Se houver notícia de outras provas relevantes, poderá o membro do Ministério Público requerer ao respectivo juízo o desarquivamento dos autos.
CAPÍTULO VI
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 20. Na instrução do procedimento investigatório criminal aplicam-se, no que couber, as normas do Código de Processo Penal e a legislação especial pertinente, asseguradas as prerrogativas previstas na Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994 - Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
Art. 21. A qualquer momento da investigação, diante de abuso ou omissão do membro do Ministério Público, mediante decisão fundamentada e aprovada previamente pelo Conselho Superior do Ministério Público, poderá o Procurador-Geral de Justiça designar outro membro do Ministério Público para atuar no procedimento investigatório criminal.
Art. 22. A Procuradoria-Geral de Justiça e as Promotorias de Justiça manterão livros próprios para o registro dos procedimentos investigatórios criminais, que deverão conter:
I - a identificação do Órgão que procedeu à instauração;
II - o número do procedimento investigatório criminal;
III - a data da instauração;
IV - o nome da conduta típica investigada;
V - nome do noticiante ou do representante, se for o caso;
VI - o nome da vítima;
VII - o nome do investigado;
VIII - a data da conclusão; e
IX - o extrato do conteúdo da conclusão.
Parágrafo único. A Procuradoria-Geral de Justiça e as Promotorias de Justiça remeterão, até o dia 31 de dezembro de cada ano, ao Centro de Apoio Operacional Criminal informações relativas ao número de procedimentos investigatórios criminais instaurados, em andamento e concluídos, classificando-os conforme o nome das condutas típicas investigadas e o conteúdo da conclusão, para fins estatísticos e de conhecimento.
Art. 23. Os membros do Ministério Público deverão promover, no prazo de 90 (noventa) dias, se for o caso, a conversão, em procedimento investigatório criminal, das peças informativas em trâmite.
Art. 24. Este Ato entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.
Florianópolis, 5 de outubro de 2004.
PEDRO SÉRGIO STEIL
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
JOSÉ EDUARDO OROFINO DA LUZ FONTES
CORREGEDOR-GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO