Detalhe
CONSIDERANDO que compete ao Ministério Público intervir nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte, a teor do art. 82, III, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei n. 9.415, de 23 de dezembro de 1996;
CONSIDERANDO que cabe unicamente ao Ministério Público, como conseqüência de sua independência e autonomia, o juízo sobre a possibilidade de sua intervenção como fiscal da lei ou parte;
CONSIDERANDO que o cumprimento de ordem judicial não pode contrariar o primado dos fundamentos constitucionais da República, como a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho; a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais; a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 1° e 3°);
CONSIDERANDO o teor do Plano de Execução de Mandados Judiciais de Reintegração de Posse, estabelecido pelo Ministro de Desenvolvimento Agrário, pelo seu Departamento de Ouvidoria Agrária e Mediação de Conflitos (DOAMC) (Anexo I);
CONSIDERANDO que cabe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (Constituição Federal, art. 127, e Constituição do Estado de Santa Catarina, art. 93), como a dignidade da pessoa humana (Constituição Federal, art. 1°, inciso III); e
CONSIDERANDO os termos do parecer exarado pela Assessoria da Procuradoria-Geral de Justiça no Processo Administrativo n. 26337.3/SGMP e a manifestação do Conselho Consultivo do Centro de Apoio Operacional da Cidadania e Fundações registrada na ata da sua 3a reunião, realizada no dia 21 de fevereiro de 2005, no sentido de que seja expedida Recomendação às Promotorias de Justiça com atribuições nas áreas de cidadania e direitos humanos, indicando os requisitos a serem observados quando do acompanhamento da execução de mandados judiciais de reintegração de posse, na hipótese do art. 82, inciso III, do CPC, acompanhada de cópia do Plano de Execução de Mandados Judiciais de Reintegração de Posse Coletiva, editado pelo Departamento de Ouvidoria Agrária e Mediação de Conflitos, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Anexo Único desta Recomendação),
RESOLVE recomendar aos Órgãos de Execução do Ministério Público incumbidos da defesa da cidadania e dos direitos humanos que adotem, nas ações judiciais que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural, as seguintes medidas fiscalizadoras:
Art. 1° Ao receber informação acerca da existência de demanda que envolva litígio coletivo pela posse da terra rural, verificada a obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público, o Promotor de Justiça da Cidadania e Direitos Humanos poderá formular petição, nos autos respectivos, requerendo sua intimação pessoal, para todos os fins do art. 83 e incisos do Código de Processo Civil.
§1° Identificada a hipótese do caput pelo órgão do Ministério Público, sem que tenha havido intimação pessoal nos autos para manifestação, o Promotor de Justiça poderá interpor recurso, para argüição de nulidade dos atos processuais praticados sem seu conhecimento (CPC, art. 246 e parágrafo único).
§2° Cumpre ao Órgão de Execução do Ministério Público requerer e acompanhar inspeções judiciais (CPC, arts. 440 e segs.), nos casos previstos no caput, especialmente quando as circunstâncias fáticas não permitirem convicção de que a execução do mandado de reintegração de posse não ofenderá os fundamentos republicanos expressos nos artigos 1° e 3° da Constituição Federal.
Art. 2° Na hipótese de execução de ordem judicial de reintegração de posse, exarada em litígio coletivo pela posse da terra rural, recomenda-se que o representante do Ministério Público vele pela observância dos requisitos previstos no Plano de Execução de Mandados Judiciais de Reintegração de Posse, estabelecido pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, por meio do seu Departamento de Ouvidoria Agrária e Mediação de Conflitos (Anexo Único desta Recomendação).
Parágrafo único. Ao tomar ciência da decisão judicial ordenando a reintegração de posse, é prudente que seja editada recomendação da Promotoria de Justiça da Cidadania e Direitos Humanos à autoridade policial encarregada de dar apoio à execução da ordem judicial, acerca dos requisitos a serem observados quando da operação, nos termos do art. 27, parágrafo único, IV, da Lei Federal n. 8625/93 e art. 83, XII, da Lei Complementar no 197/00, promovendo a juntada de cópia de recibo da recomendação nos autos da ação.
Art. 3° As medidas adotadas e o teor do presente Ato poderão ser comunicados aos órgãos representativos da sociedade, a critério do Órgão de Execução do Ministério Público, avaliada com cautela a conveniência e a extensão da publicidade em cada caso concreto.
Art. 4° Este Ato entra em vigor na data de sua publicação.
Florianópolis, 4 de outubro de 2005.
PEDRO SÉRGIO STEIL
Procurador-Geral de Justiça
ANEXO ÚNICO
PLANO DE EXECUÇÃO DE MANDADOS JUDICIAIS DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE COLETIVA
Um dos motivos causadores de violência no campo é o cumprimento dos mandados de reintegração de posse coletiva sem a obediência dos preceitos legais, principalmente aqueles que se referem aos direitos humanos e sociais das partes envolvidas nos conflitos agrários.
Para evitar os embates fundiários decorrentes do cumprimento de ordens judiciais, bem como para auxiliar as autoridades públicas encarregadas de garantir a aplicação da lei aos casos concretos, de natureza agrária, levados ao conhecimento e julgamento do Poder Judiciário, o Ministério do Desenvolvimento Agrário resolveu editar o presente manual intitulado Plano de Execução de Mandados Judiciais de Reintegração de Posse Coletiva, estabelecendo, de maneira rigorosa, todos os passos que os encarregados de cumprir a determinação judicial devem obedecer durante o cumprimento de ação possessória, garantindo, deste modo, o respeito às normas constitucionais, essencialmente aquelas decorrentes dos artigos 1º, 3º e 4º da Constituição Federal, onde está expresso que são fundamentos da República Federativa do Brasil: a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho; a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais; a prevalência dos direitos humanos; e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, nos seguintes termos:
ARTICULAÇÃO DO POLICIAL COM REPRESENTANTES DOS MUNICÍPIOS
01 - Articulação do representante da unidade policial da área com os órgãos do Estado e/ou Município, para que se façam presentes durante a operação de desocupação, a fim de alicerçar a atuação da polícia, caso seja obrigada a usar a força para desalojar os ocupantes.
UTILIZAÇÃO DE MÁQUINAS FILMADORAS
02 - Utilização de máquinas filmadoras por parte do serviço reservado das unidades policiais, durante a operação de desocupação das áreas objeto dos mandados de reintegração de posse coletiva.
INSPEÇÃO LOCAL PELO POLICIAL QUE COMANDADARÁ DA OPERAÇÃO
03 - Nenhum mandado deve ser cumprido sem que, antes, o responsável pela operação inspecione o local, objeto da medida judicial, quando poderá colher subsídios para informar ao escalão superior sobre a quantidade provável de pessoas residindo no local; número provável de crianças, mulheres grávidas, anciãos e enfermos; presença ou não de representantes do clero, entidades não-governamentais ou de parlamentares federais, estaduais ou municipais; existência ou não de focos de resistência (armada ou desarmada) e material a ser utilizado na resistência.
HAVENDO FATORES ADVERSOS O POLICIAL DEVE RECOMENDAR A INSPEÇÃO JUDICIAL
04 - Após a inspeção do local, o policial, constatando a presença de fatores adversos, comunicará, por escrito, à autoridade competente, a situação encontrada, solicitando ao magistrado a realização de inspeção judicial no local, conforme preceituam o parágrafo único do artigo 126 da Constituição Federal e os artigos 441 e 442 e seus incisos do Código de Processo Civil.
OS POLICIAIS DEVEM APENAS RESGUARDAR A SEGURANÇA FÍSICA DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA
05 - Sob nenhuma hipótese os policiais desempenharão ações que não sejam a de dar a segurança física aos oficiais de justiça e aos trabalhadores contratados para a operação de despejo.
A POLÍCIA NÃO PODE DAR GUARIDA A QUALQUER AÇÃO QUE NÃO ESTEJA PREVISTA NO MANDADO JUDICIAL
06 - Quando o oficial de justiça pretender realizar qualquer ação que não esteja expressamente prevista no mandado de reintegração de posse coletiva, deverá o policial responsável pela operação adverti-lo. Se ele insistir em seu cumprimento, deverá a operação ser suspensa e imediatamente comunicado o fato à autoridade competente, com os devidos esclarecimentos dos motivos causadores da suspensão de garantia de cumprimento da medida judicial.
OS POLICIAIS NÃO ESTÃO SUBORDINADOS AOS OFICIAIS DE JUSTIÇA
07 - Compete ao responsável pela operação policial estabelecer os canais de comunicação com os serventuários da justiça, evitando-se, assim, as comunicações informais entre os policiais e os oficiais de justiça, dos quais eles não receberão qualquer tipo de ordem.
AS INFORMAÇÕES SOBRE A EXECUÇÃO DO MANDADO JUDICIAL DEVEM SER FORNECIDAS DE MANEIRA CLARA
08 - Toda informação sobre a execução do mandado judicial de reintegração de posse coletiva deve ser fornecida de forma clara, objetiva e concisa. As perguntas que forem feitas aos policiais deverão ser respondidas de maneira calma, equilibrada e serena.
OS POLICIAIS DEVEM ESTAR CIENTES DE QUE A AÇÃO A SER DESENVOLVIDA POSSUI CONOTAÇÃO SOCIAL
09 - O efetivo policial a ser lançado no terreno deve ser esclarecido sobre a ação a ser desenvolvida, com advertência de que, apesar de ser de natureza judicial, possui conotação social, política e econômica, necessitando, em decorrência, de tirocínio do policial, para que sejam respeitados os direitos humanos e sociais dos ocupantes.
NÃO SE PODE CONFUNDIR DISCRICIONARIEDADE COM ARBITRARIEDADE
10 - Todo ato de polícia é imperativo, admitindo, em conseqüência, o emprego da força física, para o seu cumprimento. Contudo, não se deve confundir discricionariedade com arbitrariedade. Discricionariedade é liberdade de agir dentro dos limites legais. Arbitrariedade é ação fora da lei, com abuso ou desvio de poder.
OS LIMITES DO PODER DE POLÍCIA ENCONTRAM MEDIDA NO INTERESSE SOCIAL E NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO
11 - Os policiais devem ser advertidos sobre os limites do poder de polícia, com base no interesse social e na preservação dos direitos fundamentais dos indivíduos, nos termos do artigo 5º e seus respectivos incisos da Constituição Federal.
PROVIDÊNCIAS QUE O RESPONSÁVEL DEVE TOMAR
12 - O responsável pelo fornecimento de apoio policial com o intuito de instruir a comunicação tomará as seguintes providências:
I - Contactar com os representantes dos ocupantes, para fins de esclarecimentos e prevenção de conflito;
II - Localizar acampamentos provisórios, com apoio das autoridades municipais, estaduais e federais, inclusive do Departamento de Ouvidoria Agrária e Mediação de Conflitos e das Ouvidorias Agrárias Estaduais, para remanejamento dos despejados;
III - Indicar, também com apoio das autoridades supramencionadas, prédios para a guarda dos bens das famílias despejadas.
O RESPONSÁVEL PELA OPERAÇÃO POLICIAL DEVE COMUNICAR A REINTEGRAÇÃO DE POSSE COLETIVA ÀS SEGUINTES AUTORIDADES
13 - O responsável pela operação policial comunicará a reintegração de posse coletiva às seguintes autoridades:
I - ao representante do Ministério Público do município onde estiver localizado o imóvel objeto do cumprimento do mandado de reintegração de posse coletiva, ou da comarca de sua jurisdição;
II - ao superintendente regional do Incra;
III - ao ouvidor agrário estadual ou, na sua falta, ao ouvidor agrário nacional; e
IV - ao Conselho Tutelar.
A COMUNICAÇÃO DEVE OBEDECER ÀS SEGUINTES REGRAS
14 - A comunicação deverá conter as seguintes indicações:
I - a comarca, o juízo e o número da ação em que foi determinada a reintegração de posse coletiva, bem como os nomes das partes envolvidas;
II - o número de famílias instaladas na área a ser desocupada;
III - a data e a hora em que deverá ser realizada a desocupação;
IV - a identificação das unidades policiais que atuarão no auxílio ao cumprimento da ordem judicial, inclusive a previsão do número de policiais que atuarão na operação;
V - a prévia indicação dos locais que servirão de alojamento aos despejados e onde poderão depositar os seus bens.
Brasília, 20 de julho de 2004.
Desembargador José Gercino da Silva Filho
Ouvidor Agrário Nacional e Presidente da
Comissão Especial de Combate à Violência no Campo