Detalhe
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no exercício da chefia do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, no uso de suas atribuições legais, especialmente as conferidas pelos artigos 9º, inciso XLIX, da Lei Complementar Estadual nº 17/82, e 10, inciso XII, da Lei nº 8.625/93.
CONSIDERANDO as disposições constantes dos artigos 42, parágrafos 7º e 8º, e 125, parágrafos 3º e 4º, da Constituição Federal, 31, parágrafos 9º e 10º, e 90, parágrafo 1º, da Constituição Estadual, das Leis Estaduais nº 6.218/83, 5.209/76 e 5.277/76, e Federal nº 5.836/72, bem como as regras previstas no Regimento Interno do Colendo Superior Tribunal Militar (artigos 87, 122, II, e 123),
CONSIDERANDO que, por força dos dispositivos legais invocados, a perda do posto e da patente dos Oficiais das Polícias Militares dos Estados, com a conseqüente exclusão dos quadros da Corporação, depende de processo específico perante o Tribunal de Justiça, a ser deflagrado por representação do Ministério Público, através do seu Procurador-Geral, visando a declaração da indignidade ou incompatibilidade para o oficialato, após a condenação criminal com trânsito em julgado a pena privativa de liberdade superior a 2 (dois) anos, por crime comum ou militar,
CONSIDERANDO que a perda da graduação das Praças das Polícias Militares Estaduais, com a conseqüente exclusão da Corporação, também depende de idêntico processo perante o Tribunal de Justiça,
CONSIDERANDO que a exigência de processo específico perante o Tribunal de Justiça para a decretação de perda do posto e da patente dos Oficiais e da graduação das Praças das Polícias Militares Estaduais, nas hipóteses referidas, constituem garantia constitucional de eficácia plena e imediata,
CONSIDERANDO que o Tribunal de Justiça do Estado de .Santa Catarina, ao julgar a Representação nº 33, na qual figurou como Relator o emérito Desembargador ÁLVAR0 WANDELLI, em acórdão inédito, reconheceu a legitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO para pleitear a mencionada pena expulsiva,
CONSIDERANDO a necessidade de disciplinar e, outrossim, agilizar a adoção das medidas judiciais tendentes à concretização da expulsão dos condenados da Corporação respectiva,
CONSIDERANDO, por fim, que é dever do membro do Ministério Público exercer na plenitude, dentro de suas atribuições, as funções cometidas nas Constituições e nas leis,
RESOLVE:
I- Determinar aos Promotores de Justiça com atribuições nas áreas criminais que, tão logo transitada em julgado sentença penal condenatória que tenha imposto a Oficiais ou Praças graduadas da Policia Militar pena privativa de liberdade superior a 2 (dois) anos, promovam o imediato encaminhamento das peças principais do respectivo processo-crime, tais como denúncia, defesa prévia, termo de declarações, alegações finais, sentença, acórdão, certidão do trânsito em julgado, devidamente autenticadas, à Procuradoria-Geral de Justiça para o oferecimento de representação junto ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado visando o afastamento definitivo do apenado dos quadros da Polícia Militar Estadual, providência dispensável na hipótese de Praça graduado condenado já excluído da Corporação por ato administrativo.
Florianópolis, 3 de novembro de 1997.
MOACYR MORAES LIMA FILHO
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA EXCLUSÃO DOS OFICIAIS E PRAÇAS DA POLÍCIA MILITAR
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES:
Embora freqüentes as condenações criminais de integrantes da Polícia Militar a pena privativa de liberdade em decorrência da ação do Ministério Público, revela-nos a experiência que a exclusão da Corporação raramente ocorre, não obstante evidencie a circunstância a incapacidade do agente, por ausência de qualidades moral e ética, para continuar integrando as fileiras da Polícia Militar.
Prevista pelo Diploma Repressivo Militar como pena acessória (arts. 98, I, 99 e 102), a perda do cargo ou função pública, com a reforma penal de 84, passou a ser tratada pelo Código Penal Comum como efeito extrapenal não automático da condenação (art. 92, I), o que acabou de certa forma intensificando o desinteresse pela aplicação da extrema medida, até porque restou inviabilizada, seja pela restrita possibilidade legal de incidência aos casos de condenação por crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública ou, principalmente, em função da fixação de teto de tempo praticamente inatingível pelas condenações naqueles casos (pena superior a 4 anos), retrocesso somente revertido com a edição da Lei nº 9.268/96 que, conferindo nova redação ao artigo 92, do Código Penal, possibilitou, naquelas hipóteses, a decretação da perda do cargo ou função pública em virtude de condenação a pena privativa de liberdade igual ou superior a um ano, e, em todas as demais situações quando aplicada por tempo superior a quatro anos.
De conseguinte, afora sua aplicação no âmbito da Justiça Militar, frente ao óbice mencionado, restara ao Ministério Público alcançá-la na Justiça Comum basicamente nos casos de crimes de abuso de autoridade, definidos na Lei nº 4.898/64 (art. 6º, §3º, c), já que inexistente aqui qualquer limitação quanto ao quantum da pena aplicada e, mais recentemente, em decorrência de condenação pela prática de crime de tortura, previsto na Lei nº 9.455/97 (art. 1º, § 5º).
Parece-me necessário observar, porém, que regras dispostas no plano constitucional disciplinam o tema sob enfoque, assinalando a necessidade da adoção de novo direcionamento no encaminhamento da questão nas situações que a seguir passo a especificar.
I - DA PERDA DO POSTO E PATENTE DOS OFICIAIS.
Relativamente aos oficiais, já na ordem constitucional anterior, em função da emenda constitucional nº 1/69, a decisão sobre a perda do posto e patente competia com exclusividade ao órgão de segundo grau da Justiça Militar, operando-se ela, nos casos de condenação criminal com trânsito em julgado a pena privativa de liberdade superior a dois anos, através de um novo julgamento e por intermédio da declaração da indignidade ou incompatibilidade para o oficialato (art. 93, §§2º e 3º).
Pelo regime precedente, vale anotar, a perda do posto e da patente dos oficiais poderia decorrer da simples aplicação da pena privativa de liberdade superior a dois anos.
Prescreve o atual Texto Fundamental (art. 42):
"§ 7º - O oficial das Forças Armadas só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão do tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra."
"§ 8º - O oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no parágrafo anterior."
Similar disposição encontra-se inserida na Carta Estadual artigo 31, parágrafos 9º e 10º.
Ao regular a competência, estabeleceu a Constituição Federal (art. 125, §4º):
"Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças".
A corte a que alude o último dispositivo legal reproduzido, investida do poder para o predito julgamento, será o Tribunal de Justiça Militar. Todavia, diante da omissão do legislador estadual ante a faculdade que lhe foi constitucionalmente conferida (art. 125, §3º), fixada restará a competência do próprio Tribunal de Justiça do Estado que, assim, figurará como órgão de segundo grau da Justiça Castrense. Aliás, no nosso caso, a Constituição Estadual foi expressa em alçar o Tribunal de Justiça àquela condição e atribuir-lhe competência para "decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças." (art. 90. § 1º).
No plano infraconstitucional, a normatizar a matéria, tem-se a Lei Estadual nº 6.218/83, que, em seu artigo 122, assim estabelece:
" O oficial perderá o posto e a patente se for declarado indigno do oficialato ou com ele incompatível por decisão do Tribunal de Justiça do Estado, em decorrência de julgamento a que for submetido."
Do magistério do insigne JORGE ALBERTO ROMEIRO colhe-se a seguinte anotação:
"Em se tratando de oficiais das policias militares e dos corpos de bombeiros militares dos Estados, Territórios e Distrito Federal, o julgamento da indignidade ou incompatibilidade para o oficialato, com a conseqüente perda do posto e da patente, é feito perante os respectivos Tribunais de Justiça ou, nos Estados onde existirem, pelos Tribunais de Justiça Militar (art., 125. §4º da Constituição vigente)."
(ln "CURSO DE DIREITO PENAL MILITAR", Parte Geral, Ed. Saraiva, 1994, página 219).
Fixada a competência para o conhecimento e julgamento do processo de declaração de indignidade e incompatibilidade para o oficialato de oficial da Polícia Militar, cumpre desde logo registrar a existência de dois procedimentos no processamento da exclusão, constituindo a natureza da pena imposta e seu respectivo quantum os fatores que assinalam aquele a ser utilizado.
a) Tratando-se de condenação de oficial da Polícia Militar, com trânsito em julgado, a pena restritiva da liberdade superior a dois anos (art. 42, §8º CF), diante da omissão do RITJSC, a pretensão deverá ser deduzida pelo Ministério Público, através de representação, perante o Tribunal de Justiça do Estado, segundo as regras procedimentais previstas no Regimento Interno do Colendo Superior Tribunal Militar (art. 123).
Ao tratar da declaração da perda do posto e patente dos oficiais das Forças Armadas, estabelece aquele Preceptivo:
" Art. 122. A declaração de indignidade ou incompatibilidade com o oficialato, e conseqüente perda do posto e patente, nos casos previstos em lei, será proferida pelo Tribunal:
I - omissis,
II - mediante representação do Ministério Público,, nos casos previstos na Constituição Federal/88 (art. 42, §8º)."
Diante da ausência de regras específicas no Regimento Interno do Tribunal de Justiça do nosso Estado para a hipótese prefigurada, perfeitamente cabível recorrer à analogia para justificar a legitimidade do Ministério Público para a ação visando a exclusão dos quadros da Polícia Militar do oficial condenado a pena privativa de liberdade superior a dois anos.
O entendimento esposado foi integralmente acolhido pelo egrégio Tribunal de Justiça do nosso Estado que, ao julgar representação que elaboramos, ofertada pelo Ministério Público, através do Procurador-Geral de Justiça, ao que se tem notícia única no Estado, decidiu declarar indigno e incompatível para o oficialato Coronel da Polícia Militar condenado pelo Conselho Especial da Justiça Militar Estadual a pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão pela prática do crime de peculato (303, parág. único, c/c 80, ambos do CPM), determinando a perda do posto e patente (v.: Representação nº 33, da Capital Relator: Desembargador ÁLVARO WANDELLI).
Em apertada síntese, é dizer, nos casos de condenação com trânsito em julgado de oficial da Polícia Militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos por crime comum ou militar, a perda do posto e da patente, com a conseqüente exclusão dos quadros da Corporação, dependerá necessariamente de um novo e específico processo perante o Tribunal de Justiça, a ser deflagrado por representação do Ministério Público, através do Procurador-Geral de Justiça, no qual se buscará a declaração da indignidade ou incompatibilidade para o oficialato, em virtude dos fatos que geraram a condenação criminal.
b) Embora mantêm-se a competência do Tribunal de Justiça para determinar a exclusão, nos casos de condenação de oficial, com trânsito em julgado, a pena privativa de liberdade igual ou inferior a dois anos, o procedimento visando a declaração da indignidade ou incompatibilidade para o oficialato obedece regras próprias e inconfundíveis estabelecidas através da Lei Estadual nº 5.277/76, homóloga à Lei Federal nº 5.836/72, que trata dos "Conselhos de Justificação da Polícia Militar".
Nestas hipóteses transitada em julgado a sentença condenatória que tenha, na Justiça Comum ou Especial, fixado pena privativa de liberdade de até dois anos, pelo cometimento de crime doloso não previsto na legislação relativa à Segurança Nacional, submete-se o oficial inicialmente a processo administrativo perante o Conselho de Justificação, composto de 3 oficiais da ativa de posto superior ao do apenado que, decidindo pela incapacidade do justificante de permanecer na ativa ou na inatividade, remete o processo, através do Comandante-Geral da Polícia Militar, ao Governador do Estado que, por sua vez, aceitando ou não seu julgamento, o encaminha ao Tribunal de Justiça que, através das Câmaras Criminais Reunidas (art. 28. inc. II, RITJSC), julgando provada a declarada incapacidade, procede a declaração de indignidade ou incompatibilidade, determinando a perda de seu posto e patente, sendo de acrescentar-se aqui a possibilidade, inexistente na primeira situação enfocada de, não obstante a declaração da indignidade ou incompatibilidade para o oficialato, determinar o respectivo órgão fracionário tão-somente a reforma do oficial. Uma vez publicada a referida decisão, a reforma ou demissão é efetuada pelo Governador do Estado (v.: arts. 4º, 11/15, Lei nº 5.277/76).
De qualquer forma, qualquer que seja a origem da condenação criminal ou mesmo o quantum da reprimenda imposta, sob pena de vulneração à garantia constitucionalmente consagrada aos oficiais, a exclusão da polícia militar dependerá necessariamente do julgamento pelo Tribunal de Justiça do Estado, não se constituindo, pois, em conseqüência necessária e imediata da simples condenação criminal, pelo que se tornaram totalmente inaplicáveis os dispositivos legais que viabilizavam a medida como pena acessória ou efeito da condenação,
Neste aspecto, discrepam do entendimento esposado os consagrados GILBERTO PASSOS DE FREITAS e VLADIMIR PASSOS DE FREITAS que, na festejada obra "ABUSO DE AUTORIDADE", comentando a Lei 4.898/65, invocando precedente jurisprudencial, sustentam que a citada garantia não abrange os integrantes das Polícias Militares, sendo portanto cabível a decretação da perda do cargo por condenação a crime de abuso de autoridade (Editora Revista dos Tribunais, 1995, páginas 101/102).
O argumento porém, data venia, não convence. Embora comentando o tema à luz da nova ordem constitucional, o fundamento levantado ignora a inovação trazida pelo art. 125, da Constituição Federal/88, já reproduzido alhures, que atribui ao Tribunal competente a decisão sobre a perda do posto e da patente dos oficiais das Polícias Militares e bombeiros militares. Ademais, não percebem os notáveis tratadistas que as disposições constitucionais que determinam a submissão do oficial à julgamento para declaração da indignidade ou incompatibilidade para o oficialato como condição para a perda do posto e patente (§8º, 42) mencionam apenas oficial e não oficial das Forças Armadas" como no parág. anterior (§7º, 42), parecendo-me nítida a intenção do constituinte em estender aos oficiais da polícia militar idêntica garantia, até porque o próprio caput do art. 42 refere-se expressamente aos integrantes das polícias militares dos Estados.
Convém registrar, ao finalizar este tópico, que nos referidos procedimentos, de rito sumário, fundados na sentença condenatória com trânsito em. julgado, trabalha-se sobre a prova judicializada no processo que a originou, buscando-se nele unicamente a demonstração dos reflexos dos delitos praticados sobre a personalidade do condenado, cuja natureza revele afronta aos princípios da moral e pundonor militares, tornando-o indigno ou incompatível com o oficialato, sendo que, no expressivo dizer do brilhante JOSÉ AFONSO DA SILVA, 'A natureza do crime apenado é que levará à apreciação e ao reconhecimento da indignidade ou de incompatibilidade e, portanto, à perda do posto e da patente" (ln "CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL", 8" edição, Editora Malheiros, 1992, página 596).
Todavia, como " o sentimento de dever, o pundonor policial-militar e o decoro da classe impõe a cada um dos integrantes da Polícia Militar, conduta moral e profissional irrepreensíveis (art. 29, Estatuto dos Policiais-Militares do Estado de Santa Catarina - Lei nº 6.218/83) constituindo dever do oficial proceder rigorosamente de acordo com as rígidas regras de ética policial-militar, difícil será prever alguma hipótese de condenação por crime que obrigatoriamente não implique em indignidade ou incompatibilidade para o oficialato. Oportuno o pensamento de DE SANCTIS: "O crime é um resumo da personalidade do agente e dele é quase um símbolo vivo." (In "PROBLEMI E PROGRAMMI DELLA SCUOLA POSITIVA - SCUOLA POSITlVA", 1921, página 162). Nessa linha, VERGARA já aduzia que a ação criminosa consagra uma ruptura de equilíbrio da personalidade.
2 - DA PERDA DA GRADUAÇÃO DAS PRAÇAS
Em que pese a Constituição Federal, ao tratar dos servidores públicos militares, não se referir às praças graduadas, prevendo, a exemplo dos oficiais, a sua submissão a julgamento específico para exclusão dos quadros da Corporação (§§7º e 8º, CF), indisfarçável a intenção do constituinte em conferir-lhes idêntica garantia, diante do disposto art. 125, §4º, da Constituição Federal, que estabelece a competência do Tribunal para decidir, não só sobre a perda do posto e patente dos oficiais mas também sobre a perda da graduação das praças.
A própria Carta Estadual prescreve (art. 90):
"§1º - Como órgão de segundo grau funcionará o Tribunal de Justiça, cabendo-lhe decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças" (promovi o destaque).
Logo, é forçoso reconhecer que a exclusão das praças graduadas dos quadros da Polícia Militar, em decorrência de condenação com trânsito em julgado pela prática de crime a pena privativa de liberdade superior a dois anos, dependerá igualmente de decisão do órgão de segundo grau da Justiça Castrense, a ser prolatada em procedimento de natureza idêntica àquele pertinente a declaração da indignidade ou incompatibilidade para o Oficialato, pelo que se pode concluir como intolerável a aplicação das regras que previam a drástica medida como pena acessória ou mero efeito da condenação.
Debruçando-se sobre o tema, com a elegância de estilo que marca seus pronunciamentos, preleciona o preclaro JORGE ALBERTO ROMERO:
"A Constituição de 1988, abrindo uma exceção em nosso tradicional direito penal militar, equiparou a graduação das praças das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares estaduais ao posto e à patente dos oficiais dessas corporações, para o fim de sua perda.
(...)
Há de mister para que ocorra ou não a exclusão que perante o Tribunal de Justiça ou, nos Estados onde houver, o Tribunal de Justiça Militar, seja instaurado um especial processo de perda de graduação da praça, análogo ao da perda do posto e da patente dos oficiais."
(In "CURSO DE DIREITO PENAL MILITAR"", Parte Geral, Editora Saraiva, 1994. página 224).
O Colendo Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no mesmo sentido, consoante se observa dos arestos cujas ementas passo a reproduzir:
" Militar: praças da Polícia Militar Estadual: perda de graduação: exigência constitucional de processo específico (CF/88, art. 125, §4º, parte final) de eficácia imediata: caducidade do art. 102 do Código Penal Militar.
O artigo 125, §4º, In fine, da Constituição, subordinou a perda da graduação dos praças das policiais militares à decisão do tribunal competente, mediante procedimento específico, não subsistindo, em conseqüência, em relação aos referidos graduados o artigo 102 do Código Penal Militar, que a impunha como pena acessória da condenação criminal a prisão superior a dois anos.
A nova garantia constitucional dos graduados das Polícias militares é de eficácia plena e imediata, aplicando-se, no que couber, a disciplina legal vigente sobre a perda de patente dos oficiais e o respectivo processo."
(Recurso Extraordinário nº 121.533/MG - Relator: Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, In RTJ 133/1,342).
"O texto sob enfoque, que é de aplicação imediata, subordinou a perda de graduação das praças da Polícia Militar à decisão do tribunal competente, razão pela qual não pode ela ser decretada por ato do Comandante-Geral ou de qualquer outra autoridade administrativa."
(Recurso Extraordinário nº 140.466.3/SP - Relator: Ministro ILMAR GALVÃO 25.06.96).
O nosso egrégio Tribunal de Justiça, apreciando o tema em sede de mandado de segurança louvando-se na jurisprudência do Pretório Excelso, já decidiu:
"Com o advento da CF/88, o art. 102 do código Penal Militar foi derrogado, a perda da graduação das praças, das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros estaduais, passou a ser equiparada a perda do posto e patente dos oficiais, isto é, da competência do Tribunal."
(Mandado de Segurança nº 96003184-7, da Capital - Relator: Desembargador GENÉSIO NOLLI).
"Mandado de segurança preventivo ¿ Polícia Militar- Perda da graduação em face de condenação penal - Impossibilidade diante do art. 125, §4º,. da Magna Carta - Exegese - ordem deferida."
(Mandado de Segurança nº 97,000364-1, da Capital - Relator: Desembargador FRANCISCO OLIVEIRA FILHO).
Nos casos de faltas disciplinares ou de condenação criminal, com trânsito em julgado, a pena restritiva de liberdade de até 2 (dois) anos, pelo cometimento de crime doloso não previsto na legislação especial concernente a Segurança do Estado, as praças da Polícia Militar são submetidas ao Conselho de Disciplina composto por três oficiais da ativa que, obedecido o rito estabelecido pela Lei nº 5.209/76, encaminha relatório ao Comandante-Geral da Polícia Militar que, por sua vez, poderá propor ao Governador do Estado a reforma da praça ou a sua exclusão a bem da disciplina caso tenha sido julgada incapaz de permanecer na ativa ou na inatividade (arts. 2º, inc. III, 4º, 11/12).
Como a adoção do procedimento citado importa na exclusão da praça graduada por ato meramente administrativo, com que se afasta garantia constitucionalmente assegurada, relativa a competência exclusiva do Tribunal de Justiça para proferir decisão daquela natureza, por inconstitucionalidade superveniente entendo inaplicável a Lei nº 5.209/76 na parte que o legitima, devendo ser o procedimento portanto, encaminhado ao Tribunal de Justiça para aquele fim.
Do irrepreensível magistério do brilhante Desembargador ÁLVARO LAZZARINI, invocado em inúmeras decisões do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, colhe-se a seguinte lição:
"Bem por isso não pode a Administração Policial Militar Estadual - Polícia Militar ou de Bombeiros Militares - aplicar pena expulsiva às suas praças, tenha o nome que for ( expulsão, demissão, etc.), devendo pautar a sua eventual autonomia administrativa em relação às praças, como o faz em relação aos seus oficiais. O Constituinte de 1988, insistamos, não distinguiu entre perda da graduação decorrente de simples violação de dever funcional das praças, daquelas outras violações de dever funcional qualificadas também de criminal. E onde o legislador não distingue, não é lícito ao intérprete distinguir, vale dizer, tanto em uma como em outra hipótese a competência para decretar a perda da graduação das praças deixou de ser da autoridade militar estadual, sendo sim e atualmente do tribunal competente, comum ou militar."
(TJESP - 1ªa Câmara Cível - Apelações Cíveis nos 202.087.1/2, 221.929.1/5 e 266.784.1 ¿ ver ainda: "REVISTA DIREITO MILITAR", da AMAJME, Ano I Número 2, página 9).
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, porém, tem reiteradamente decidido que apenas nas hipóteses de crimes militares compete ao Tribunal decidir sobre a perda do posto e patente dos oficiais e da graduação das praças (v. RMS nº 1.261-0 - RJ - Min. HÉLIO MOSIMANN; RMS nº 1.033 - RJ - Min. PEÇANHA MARTINS) posicionamento com o qual, assim demonstravam as decisões cujas ementas reproduzi, não comungava o Colendo Supremo Tribunal Federal que, todavia, recentemente (04.06.97), em sessão plenária, entendeu cabível a aplicação administrativa daquela punição (Recurso Extraordinário nº 199.800-8/SP - Relator: Ministro CARLOS VELLOSO).
- CONCLUSÕES:
a) A exclusão dos oficiais da Polícia Militar somente poderá ser decretada pelo Tribunal de Justiça, órgão de segundo grau da Justiça Castrense, através da declaração de indignidade ou incompatibilidade para o oficialato;
b) A medida dependerá de representação do Ministério Público, a ser ofertada pelo Procurador-Geral de Justiça após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória que, no Juízo Comum ou Militar, tenha imposto ao oficial da Polícia Militar pena privativa de liberdade superior a dois anos, não sendo mais aplicáveis os dispositivos legais que permitiam a sua imposição como pena acessória ou efeito da condenação.
c) A perda da graduação das Praças da Polícia Militar, com a conseqüente exclusão da Corporação, não prescinde de decisão do Tribunal de Justiça, órgão de segundo grau da Justiça Militar, dependendo de representação do Ministério Público por seu Procurador-Geral de Justiça, nas mesmas hipóteses previstas para os oficiais, não mais podendo ser decretada por ato meramente administrativo, sendo, outrossim, intolerável a sua aplicação como pena acessória ou efeito da condenação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Acatado o entendimento expendido, tendo em vista o grande número de processos criminais envolvendo policiais militares tanto na Justiça Comum como na Justiça Especial urge reconhecer a necessidade de articulação entre a Procuradoria-Geral de Justiça e os órgãos de execução do Ministério Público, a fim de viabilizar a adoção de medida tendente a concretizar a expulsão dos condenados da Polícia Militar Estadual, pelo que atrevo-me a sugerir:
a) a expedição de recomendação através de ato a ser editado pelo Procurador-Geral de Justiça com base nos artigos 9º, inciso XLIX, da Lei Complementar nº 17/82, e 10, inciso XII, da Lei nº 8.625/93, aos Promotores de Justiça Criminais, bem como ao Promotor de Justiça Militar para que, obtida sentença condenatória nos termos mencionados, envolvendo oficiais ou praças graduadas da Polícia Militar, logo após o trânsito em julgado, promovam o encaminhamento de peças do processo-crime respectivo (denúncia/defesa prévia/termos de declarações/alegações finais/sentença/acórdão/certidão de trânsito em julgado) à Procuradoria-Geral de Justiça para o oferecimento de representação junto ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado visando o afastamento definitivo do apenado dos quadros da Polícia Militar Estadual;
b) o encaminhamento de expediente aos ilustres Desembargadores componentes das Câmaras Criminais do egrégio Tribunal de Justiça do Estado, sugerindo a apresentação de proposta para alteração do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, a fim de se acrescentar ao artigo 9º, do Ato Regimental nº 02/89, de 22-11-89, que alterou o artigo 28, do RITJSC, novo inciso estabelecendo a competência das Câmaras Criminais Reunidas para também julgar, em instância única, as representações do Ministério Público visando a declaração de indignidade e incompatibilidade para o oficialato de oficial da Polícia Militar, bem como a perda da graduação das praças.
c) a expedição de ofício ao emérito Desembargador Corregedor-Geral de Justiça do Estado, cientificando-o a respeito do Ato referido no item "a", bem como da pretensão mencionada no item anterior;
d) a cientificação do ilustre Corregedor-Geral do Ministério Público a respeito das apontadas providências.
SIDNEY ELOY DALABRIDA
PROMOTOR DE JUSTIÇA
ASSESSOR DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
PROFESSOR DA ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO