Não é um fenômeno recente
Assessora de direção em uma escola pública da Grande Florianópolis, Beatriz Prazeres conta que, no local onde trabalha há mais de 20 anos, os motivos que levam à prática do bullying normalmente estão relacionados à estética, à timidez ou às condições financeiras. "[O bullying] sempre existiu. Na verdade, percebo que era muito pior do que é hoje, só não tinha esse nome. Não era algo a ser combatido; muitas pessoas tratavam como normal ou fingiam que não viam", relata.
O termo "bullying", conhecido a partir da década de 1970, tem origem inglesa na palavra bully (em português, "valentão", "brigão") e, segundo o dicionário Aurélio, é uma ¿provocação, intimidação, ou agressão, física ou verbal, feita por indivíduo mais desinibido, mais velho, mais forte, a outro mais tímido, mais novo, mais fraco¿. Embora essas atitudes agressivas tenham o ambiente escolar como cenário principal, também podem ocorrer na vizinhança, nas redes sociais (cyberbullying), no trabalho e na família.
Colocar apelidos desrespeitosos, espalhar fofocas ou fotos, ameaçar e agredir fisicamente são algumas atitudes consideradas bullying. "'Gorda, baleia, saco de areia' era a música que cantavam para mim durante o recreio da escola. Diziam que era só brincadeira, mas não é mais 'só brincadeira' quando uma das pessoas não gosta ou não se sente confortável", afirma Clara*.
Vítor*, de 19 anos, mora em Santa Catarina há mais de cinco anos e já sofreu com comentários intolerantes em relação ao seu lugar de origem. "Sou recifense, mas as pessoas insistem em me chamar de baiano. Perguntavam se tinha água lá, se tinha moto, se tinha carro ou se eu sabia o que era um cinema. Toda vez que eu falava, pediam para eu calar a boca, porque diziam que o meu sotaque era irritante. Já até mudei de turno por causa disso", conta.
O combate O problema do bullying é grave, visto que afeta diversos aspectos da vida da criança e do adolescente, incluindo saúde mental, desempenho acadêmico e frequência escolar. É um problema social, não apenas algo relacionado ao comportamento agressivo de algumas pessoas, e precisa ser combatido.
"As pesquisas mais recentes sobre o tema indicam que, muitas vezes, o causador do bullying também está em situação de sofrimento e pode até ser ou ter sido vítima de bullying. Essa alternância de papéis ressalta a importância de um olhar cuidadoso da escola e da família, para orientar as crianças e os adolescentes a como proceder e para identificar precocemente quando um aluno está sendo vítima de bullying. Além disso, é sempre importante enfatizar o papel da pessoa que assiste: se esse sujeito não incentivar a prática, não achar engraçado o que está acontecendo, geralmente o bullying acaba cessando pela falta de audiência. A sociedade pode contribuir muito nesse processo, não estimulando ou repercutindo ameaças ou ofensas por questões estéticas, de aprendizagem, origem social ou regional etc. Por isso o lema da nossa campanha é `Somos todos diferentes, mas com direitos iguais", explica Botega.
Além da atuação do Ministério Público, a escola tem um importante papel no combate ao bullying. "Nós conversamos muito com os alunos, em todas as situações. Antes de chamar os pais, costumamos ter o maior diálogo possível. É responsabilidade da escola barrar essas atitudes. Se queremos um aluno bem formado, não podemos deixar que ele leve esse tipo de atitude ou sentimento para a vida lá fora", salienta Beatriz.
Baixa autoestima, depressão, isolamento, agressividade, fobias e falta de envolvimento com os colegas são alguns dos sinais que podem ser percebidos nas vítimas. É um sentimento que nunca deixa de existir, apenas perde a força com o tempo. "Hoje em dia, sempre me intrometo quando vejo alguém cometendo bullying com outra pessoa. Não quero ser uma testemunha, como muitos foram quando acontecia comigo", ressalta Clara*, que ainda guarda marcas do sofrimento que a fizeram passar por 10 anos.
* Todos os nomes foram substituídos para preservar a identidade dos entrevistados.