Neste sábado (27/06), completa um ano a aprovação da Lei n. 13.010/2014, que estabelece o direito de crianças e adolescentes de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante. A lei foi batizada de Menino Bernardo em referência a Bernardo Boldrini, de 11 anos, assassinado no Rio Grande do Sul, em abril de 2014, cujos principais suspeitos são o pai e a madrasta.
Pela Lei n. 13.010/2014, pais, integrantes da família, responsáveis, agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e adolescentes não podem mais usar práticas cruéis como forma de correção e educação.
A preocupação dos legisladores durante o processo de elaboração da lei foi além de detalhar as punições. Classificou como castigo físico toda ação de natureza disciplinar punitiva aplicada com o uso de força, que possa resultar em sofrimento físico ou lesão. Também classifica como tratamento cruel ou degradante toda a conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize.
Segundo o Promotor, a Lei abrange o ambiente privado das famílias, razão pela qual é preciso se ter critérios para identificar qual o limite nas condutas referentes à educação dos filhos.
A psicóloga do CIJ Daphne de Castro Fayad acrescenta que estudos e pesquisas indicam que o castigo físico não é eficaz do ponto de vista educativo. Segundo ela, além de não resolverem os problemas, as agressões colocam as crianças em uma situação de desvantagem e causam prejuízos à sua formação. "As vítimas geralmente se tornam pessoas potencialmente medrosas ou agressivas".
A sugestão da psicóloga é de que o clima familiar desrespeitoso seja substituído pela prática de maior diálogo, compreensão e convivência harmoniosa, situações que vão conduzir a comportamento que necessite cada vez menos de castigos.
Outros métodos eficazes a serem adotados, segundo a psicóloga, é privar a criança ou adolescentes de situações que lhe sejam prazerosas, como o tempo de lazer, passeios, acesso à mídia ou ainda deixá-la sozinha por um período a fim de induzi-la a reflexão de seus atos.
O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) é parceiro das demais instituições públicas nas ações preventivas voltadas à proteção de crianças e adolescentes. Uma das sugestões que estão sendo estudadas pelo CIJ é abordar, na campanha do Disque 100, a questão da negligência familiar. O Promotor de Justiça explica que, por ser a negligência um tipo frequente de violência, há maior dificuldade em ser identificada. Ele afirma que os sinais são muito subjetivos pois não existe acordo sobre os parâmetros do que é adequado para uma determina criança ou adolescente. "A dificuldade aumenta porque não existem padrões que diferenciam o que é inabilidade ou impossibilidade e o que é falta de vontade dos pais ou responsáveis para prover suas crianças e adolescentes das necessidades mínimas aceitáveis", frisa.
Marcelo Wegner alerta que alguns sinais devem ser observados a fim de identificar casos de negligência, os quais podem ser caracterizados em três tipos: física, emocional e educativa. A primeira abrange falta de cuidados básicos com alimentação, higiene, vestuário e assistência. A negligência emocional ocorre quando a criança é ignorada com privação do afeto e suporte emocional. Já a educativa é identificada quando não são proporcionadas à criança condições para a sua formação intelectual e moral, como privação da escolaridade básica, absentismo escolar frequente e injustificado e a permissividade perante hábitos que interferem no desenvolvimento. Confira abaixo os sinais a serem observados:
Bernardo Boldrini, de 11 anos, teria ido dormir na casa de um amigo no dia 4 de abril de 2014, numa sexta-feira. Morava no município gaúcho de Três Passos. No domingo (dia 6), o pai do garoto simulou um desaparecimento, relatando ter constatado que o menino não havia ficado na casa do amigo. Entretanto, a madrasta havia sido multada na sexta-feira por excesso de velocidade no município de Tenente Portela e Palmitinho, distante 50 quilômetros de Três Passos, ocasião em que policiais rodoviários identificaram que o menino estava no banco de trás do veículo.
Uma semana depois, no dia 14 de abril de 2014, o corpo de Bernardo Boldrini foi encontrado no município de Frederico Westphalen, cerca de 80 quilômetros de Três Passos, cuja perícia inicial teria apontado que uma injeção letal seria a causa de sua morte.
A polícia decretou a imediata prisão do pai, da madrasta do garoto, e de uma assistente social, a qual teria ajudado a madrasta a fazer a cova e esconder o corpo do menino. Os acusados aguardam o julgamento na prisão.
O Promotor Marcelo Wegner lembra que existe uma rede de atendimento disponível para a manifestação de casos violência contra criança e adolescente. O Disque 100, Conselho Tutelar da sua cidade e delegacias de polícia são alguns meios de denúncia. Ele enfatizou, contudo, que as Promotorias de Justiça são, sim, um canal entre o Poder Público e a sociedade.
O Promotor explicou os procedimentos a serem adotados caso as situações de violência cheguem primeiramente ao Ministério Público. Segundo ele, é efetuada uma avaliação inicial a fim de identificar se o fato pode ser enquadrado como crime e, em caso de resposta afirmativa, é encaminhado à Delegacia de Polícia. Outras situações são enviadas para o Conselho Tutelar. A própria Lei estabelece que os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra crianças ou adolescentes deverão ser obrigatoriamente comunicados aos conselhos tutelares de cada cidade.
A lei prevê, ainda, sanções aos autores de tais práticas como o encaminhamento a programas oficiais ou comunitários de proteção à família, tratamento psicológico ou psiquiátrico e cursos ou programas de orientação e advertência.
Além das ações corretivas, a legislação prevê, no âmbito preventivo, a atuação conjunta do Poder Público. Pela Lei, o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e entidades não governamentais devem agir de maneira integrada na promoção, proteção e defesa dos direitos de meninas e meninos.
É um serviço da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. A ligação é direta e gratuita e não é necessário se identificar. As denúncias são analisadas e encaminhadas aos órgãos competentes.
O papel do Ministério Público na defesa dos direitos da criança e do adolescente não pode ser confundido com superproteção ou concessão de privilégios. O princípio da proteção integral da criança e do adolescente tem como fundamento a situação de vulnerabilidade típica da pessoa em desenvolvimento e está previsto na legislação brasileira.
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