Servidores públicas com filhos com deficiência podem cumprir jornadas de trabalho reduzidas, sem prejuízo à remuneração integral, justamente para poder dar o suporte necessário a eles. Isso está previsto em leis federal e estaduais. Porém, uma funcionária da Prefeitura de Videira, mãe de uma adolescente com paralisia cerebral, teve esse direito negado, mesmo apresentando todos os laudos exigidos, sob o argumento de que não tinha estabilidade no serviço público e incidia em impeditivo legal. Desesperada, ela procurou o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e uma ação civil foi ajuizada com pedido de tutela de urgência de natureza antecipada. Agora, a mulher poderá trabalhar 20 horas semanais recebendo o salário integral de 40 horas, graças à decisão judicial liminar favorável.
"Só quem tem um filho nessa condição sabe as lutas enfrentadas diariamente, e é triste ver um órgão público, que deveria resguardar o cumprimento da lei, negando um direito a uma funcionária. São 16 anos batalhando para proporcionar uma vida digna a minha menina, e vou seguir até o fim, afinal ela precisa de mim", diz a mãe.
Vale ressaltar que a própria junta médica oficial reconheceu a necessidade de redução da jornada de trabalho da servidora, mas o município ignorou o parecer e determinou que ela continuasse trabalhando 40 horas semanais com base na Lei Complementar n. 129/12, que só permite jornada reduzida aos servidores efetivos.
O Promotor de Justiça Antonio Junior Brigatti Nascimento solicitou a declaração incidental de inconstitucionalidade do dispositivo legal do município, por entender que ele fere os princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Além disso, impacta desproporcionalmente os agentes públicos não estáveis com filhos deficientes, afinal observa-se unicamente a sua condição funcional, sem se atentar para a finalidade da proteção legislativa.
Ele também requereu a aplicação da Lei n. 8.112/1990, que concede horário especial a servidores federais com deficiência ou que tenham filho, cônjuge ou dependente nessa condição. A sustentação foi feita, ainda, com base em um entendimento recente do Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral (Tema 1.097), que fixou a seguinte tese: "Aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2º e § 3º, da Lei 8.112/1990".
O representante do Ministério Público afirma que "a decisão judicial reconhece a submissão do Município ao princípio da igualdade, gravado na Constituição Federal, e afasta a aplicação direta da lei municipal prejudicial à pessoa com deficiência. A inconstitucionalidade da disposição legal é flagrante, motivando os controles difusos - como pleiteado na inicial - e concentrado de constitucionalidade, esse último solicitado ao Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade (CECCON)".
Saiba mais
A Lei Estadual n. 6.634/1985 (artigo 1º) assegura às servidoras públicas mães, tutoras, curadoras ou responsáveis pela criação, educação e proteção de deficientes intelectuais o direito de licenciar-se de parte da jornada de trabalho, sem prejuízo da remuneração, respeitando o cumprimento de 20 horas semanais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 201, inciso VIII) legitima o Ministério Público para a proposição de medidas judiciais com o objetivo de zelar pelo respeito aos direitos legais assegurados.
Já o Estatuto da Pessoa com Deficiência (artigo 79, parágrafo 3º) concede ao Ministério Público a tomada de medidas necessárias visando à garantia de direitos.
O Código de Processo Civil (artigo 300), por fim, prevê a tutela de urgência quando há elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.