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Dentro da programação do 2º Encontro Catarinense de Justiça Restaurativa, realizado nesta sexta-feira (22/11) em Florianópolis, o Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná Roberto Portugal Bacellar e o Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrado (ENFAM) Erisevelton Silva Lima apresentaram a palestra 'Justiça Restaurativa e educação: um diálogo necessário'. A explanação, realizada no final da manhã, foi mediada pelo Promotor de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) Marcelo Brito de Araújo. 

O Desembargador paranaense Roberto Bacellar iniciou sua explanação fortalecendo o conceito de Justiça Restaurativa, o qual definiu como alegria, paz, cooperação e união. Segundo ele, diz respeito a transformar o estado de coisas existentes, porém para transformar é necessário buscar atitudes diferentes a fim de produzir resultados diferentes. Isso envolve uma mudança, principalmente, no sistema de comunicação entre os atores. Bacellar alertou sobre a cultura do julgamento, que está arraigada no contexto social em que vivemos. 

O magistrado usou dois exemplos de situações que denotam o modelo tradicional de resolução de conflitos, uma no Judiciário e outra na educação, para evidenciar que a falta do diálogo qualificado estabelece um desfecho, mas não resolve o conflito propriamente dito. "Humanidade é ser o que você é, eu estou aqui, eu te vejo. Porém, quando nos comunicamos, é comum que muitas vezes queiramos ganhar na conversa, prevalecer sobre o outro. Ninguém precisa ganhar; nós precisamos nos comunicar", explica. Para Bacellar, precisamos refletir sobre a cultura do julgamento, que condiciona o ser humano a julgar o tempo todo, como algo que está arraigado na existência. 

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Exemplos práticos 

Dois vizinhos tiveram uma discussão por conta do barulho, produzido por um e considerado excessivo pelo outro. A briga vai parar na delegacia, com a lavratura de um boletim de ocorrência. O processo segue, a matéria é julgada e a Justiça produz um resultado. "Independentemente de qual seja, se há punição ou não, o fato é que o conflito permanece lá, diariamente, entre os vizinhos de porta. A Justiça Restaurativa trabalha nesse sentido, para que os seres humanos se comuniquem dentro de um espaço dialógico de respeito. Como um facilitador, a Justiça Restaurativa estabelece uma conexão entre as pessoas, aproximando e considerando as diferenças". 

Trazendo o debate para a educação, Bacellar destacou que os conflitos escolares e práticas como o bullying são comuns em todos os países e, infelizmente, tendem a ser trabalhados da mesma forma impositiva e autoritária. Segundo ele, nesse caso o Professor é o Juiz. Quando o Juiz não resolve, o aluno é encaminhado à direção para novo julgamento, fazendo uma alusão à instância de segundo grau do Judiciário. Por sua vez, a direção aplica uma pena, chama a família, suspende. "Mais uma vez, independentemente do resultado, os envolvidos que convivem diariamente em sala de aula sairão da situação sem resolver o conflito, dada a total ausência do diálogo". 

"Quando a modificação não vem de dentro para fora, não produz resultado. Enquanto usarmos o mesmo sistema de comunicação dialética, da guerra e da adversidade, será que alcançaremos algum resultado?", indagou Bacellar ao Professor Erisevelton Silva Lima.  

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Transformação no ensino  

O Professor e Diretor Escolar Erisevelton Silva Lima se disse emocionado com a oportunidade ofertada pelo Ministério Público de tratar sobre um tema tão relevante e inerente à sua atuação. Segundo ele, a primeira atitude a ser implementada com a Justiça Restaurativa é destituir as pessoas do desejo de vingança pelo desejo de justiça. "A diferença entre justiça e vingança é muito grande e passa pela necessidade de as pessoas compreenderem, a exemplo do que disse Leonardo Boff, que cada ponto de vista é apenas a vista de um ponto. Qual é o meu ponto de vista da situação, qual é o seu ponto de vista e, ainda, qual é o ponto de vista de um terceiro que se fará necessário na resolução do conflito?", destacou. 

Para Lima, todos nós, todas a instituições e a escola precisamos revisitar, reinterpretar e até mesmo estabelecer uma nova forma de ensinar. Segundo ele, está claro que a forma como estamos praticando o ensino há 500 anos não está funcionando. Ele ressaltou que a escola, como representante mais forte no sentido da educação, também está precisando de ajuda. "Ela está adoecida e precisa ser ressignificada".    

"O conteúdo da paz não está na maioria dos currículos escolares, mas é o que mais deve e precisa ser ensinado. Somos todas instituições de ensino. O Juiz, quando sentencia, ensina algo com a sua sentença. O Ministério Público, quando denuncia, também ensina algo com a sua atuação. A forma como a polícia aborda também tem um conteúdo, também ensina. A diferença está em como você ensina. Ensinar com violência só produz o resultado violência e não ensina o que você gostaria de ensinar", completou.  



Roberto Portugal Bacellar 

Desembargador do TJPR e Professor integrante do corpo docente permanente do Programa de Pós-Graduação stricto sensu da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), entidade vinculada ao Superior Tribunal de Justiça. Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Nove de Julho. Presidente da Comissão Estadual de Mediação Judicial e Justiça Restaurativa do TJPR (2023/2024). Membro do Comitê Gestor da Conciliação e do Comitê Gestor da Justiça Restaurativa, vinculados ao Conselho Nacional de Justiça. Membro da Comissão Acadêmica do Exame Nacional da Magistratura. 

Erisevelton Silva Lima 

Pedagogo, psicanalista, mestre e doutor em Educação, especialista na formação de professores, inteligência emocional e gestão de conflitos. Autor de obras e diversos trabalhos voltados para formação docente, de magistrados e desenvolvimento humano. Atualmente é diretor de uma escola pública no DF, onde exerce suas funções desde 1991. Formador colaborador da ENFAM na preparação de magistrados para docência.