Maioria do STF reconhece tese do MPSC: apropriar-se de ICMS é crime
A tese foi sustentada pelo Procurador-Geral de Justiça, Fernando da Silva Comin. O julgamento será retomado na próxima semana.
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria (6 votos) para julgar procedente importante tese em defesa da ordem tributária, sustentada pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). Por 6 votos a 3, placar provisório decorrente da suspensão do julgamento, que retornará na próxima quarta-feira com os 2 votos remanescentes, a mais alta corte brasileira reconheceu a constitucionalidade do artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/1990. Ou seja, a conduta do empresário, de se apropriar do valor referente ao ICMS por ele declarado, em vez de recolhê-lo ao fisco, configura o crime de apropriação indébita tributária.
Os ministros julgaram o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 163.334, impetrado por proprietários de lojas de roupas em Santa Catarina denunciados pelo MPSC por não terem recolhido aos cofres públicos, em prazo determinado, os valores apurados e declarados do ICMS em diversos períodos entre 2008 e 2010. O relator da matéria, Ministro Luís Roberto Barroso, votou com a tese sustentada oralmente durante o julgamento pelo Procurador-Geral de Justiça Catarinense, Fernando da Silva Comin. "O contribuinte que deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do artigo 2, II, da Lei 8.137/90, desde que haja intenção da apropriação do tributo a ser apurado a partir de circunstâncias factuais", sustentou Barroso.
O julgamento começou na quarta-feira com uma série de sustentações orais, entre elas a do PGJ catarinense, e teve seguimento nesta quinta. "Uma empresa que postergue sucessivamente o recolhimento do ICMS cobrado do consumidor final, deixando de repassá-lo ao Fisco, sempre estará em vantagem concorrencial, eliminando as demais empresas que atuem com regularidade no segmento (ou pior, forçando-as a agir de idêntica maneira)", afirmou Comin.
Acompanharam o voto do relator os Ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Carmen Lúcia. Seguiram a divergência os Ministros Gilmar Mendes (que abriu a divergência em antecipação de voto, ainda na quarta-feira), Ricardo Lewandowsk e Marco Aurélio. Após, ante a ausência do Ministro Celso de Mello na sessão, o Ministro-Presidente, Dias Toffoli, retirou o processo com vista, já informando sua pauta para a sessão da próxima semana.
"Não se trata aqui de punir o empreendedor. Este, diligente, bem saberá compactuar o seu negócio, cumprir seus deveres fiscais e atender a obrigação de repasse de tributos indiretos cujo valor venha a cobrar de terceiros. A grande maioria dos contribuintes brasileiros não se enquadrará na normativa, posto que inscritos como microempreendedores individuais, que recolhem o ICMS em valor fixo, funcionando como tributação direta, não os cobrando, portanto, do consumidor final, já que intransferível esse valor de venda", concluiu Comin.
O PGJ catarinense também demonstrou ao STF que a tese defendida pelo MPSC não é hipótese exclusiva da legislação brasileira, mas também da legislação portuguesa, italiana e de diversos Estados americanos.
A tese do MPSC contou com apoio de, além de diversos Ministérios Públicos Estaduais, Procuradorias de Estado e Secretarias de Fazenda, que estiveram representados pela Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina e do Distrito Federal.
O caso
O RHC 163334 foi impetrado por proprietários de lojas de roupas em Santa Catarina denunciados pelo Ministério Público estadual (MPSC) por não terem recolhido aos cofres públicos, no prazo determinado, os valores apurados e declarados do ICMS em diversos períodos entre 2008 e 2010. A soma dos valores não recolhidos, na época, era de cerca de R$ 30 mil. Na denúncia, o MPSC enquadrou a conduta como crime contra a ordem tributária nos termos dos artigos 2º, inciso II, e 11, caput, da Lei 8.137/1990 - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.
A denúncia (peça processual que inicia a ação penal) foi rejeitada pelo Juízo de Direito da Vara Criminal da Comarca de Brusque (SC), por entender atípicos os fatos narrados na denúncia. Contudo, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), no exame do recurso do MPSC, determinou o prosseguimento da ação penal. Visando ao restabelecimento da sentença absolutória, foi impetrado HC no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, em acórdão relatado pelo Ministro Rogério Schietti, em voto condutor que analisou toda a tese defendida pelo MPSC, denegou a ordem.
Para a maioria dos ministros da Terceira Seção do STJ, o fato de o agente registrar, apurar e declarar o imposto devido não afasta a configuração do delito de apropriação indébita tributária, que não tem como pressuposto a clandestinidade. Segundo a decisão, basta a conduta dolosa consistente na consciência, ainda que potencial, de não recolher o valor do tributo devido. "A motivação não possui importância no campo da tipicidade", concluiu aquela corte. Os denunciados pelo MPSC foram então ao STF e impetraram o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 163.334, ora em julgamento.