O Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), Fernando da Silva Comin, enviou ao Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, ao Presidente do Senado Federal, Senador Davi Alcolumbre, e ao Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Rodrigo Maia, sugestões de alteração do Código de Processo Penal (CPP) e do Código Penal, que aumentam a proteção à dignidade da vítima de crimes sexuais e proíbem perguntas e referências à experiência sexual anterior da vítima, seu modo de ser, falar, vestir ou relacionar-se com outras pessoas.
"O recente caso que envolveu a apuração da prática de crime de estupro em um beach club na cidade de Florianópolis e ganhou repercussão nacional nos últimos dias, em especial pela condução da audiência de instrução e julgamento, levantou, uma vez mais, a necessidade de discussão sobre os limites de atuação das partes no processo penal, a fim de garantir a busca da prova e da verdade, sem violar a dignidade das vítimas desses crimes", ressaltou Comin no ofício.
Com a alteração, entre outros pontos sugeridos, seria incluído um parágrafo ao artigo 157 do CPP, que define provas inadmissíveis ou ilícitas:
"Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 6º Nos processos que envolvam a prática de crimes contra a dignidade sexual (Título VI da Parte Especial do Código Penal), são inadmissíveis as seguintes provas, salvo se tiverem o objetivo de provar que foi outro o autor do ato delituoso:
I - relacionadas direta ou indiretamente à experiência sexual anterior ou subsequente do ofendido com qualquer pessoa que não seja o réu;
II - que digam respeito ao comportamento sexual do ofendido, seu modo de ser, falar, vestir ou relacionar-se."
As principais justificativas apontadas para a mudança processual dos crimes contra a dignidade sexual são evitar a revitimização e garantir que o processo judicial não possibilite ou seja utilizado para expor a vida privada da vítima ou desqualificá-la moralmente como uma estratégia da defesa do acusado.
No ofício, Comin destaca iniciativas como essa já adotadas em países como Estados Unidos, Austrália, Canadá e Nova Zelândia, chamadas de "Rape Shield Laws", que apresentam "dispositivos que vedam às partes realizar perguntas sobre a vida sexual pretérita de vítimas de crimes contra a dignidade sexual; proíbem o uso de evidências sobre o histórico sexual para definir a vítima como um tipo que é mais ou menos suscetível a consentir com a prática de atividades sexuais; e vedam o uso do histórico sexual da vítima para definir sua credibilidade".
Como argumenta o Procurador-Geral de Justiça no documento enviado ao Presidente da República, ao Presidente do Senado e ao Presidente da Câmara Federal, os objetivos perseguidos pela alteração sugerida "são vetores que há muito são caros aos atores do sistema judicial e vêm sendo buscados ao longo do tempo".
Comin salienta que já foram adotadas várias iniciativas nesse sentido, nas esferas administrativas e judiciais, mas o vazamento do vídeo da audiência do caso ocorrido em Florianópolis demonstra que há necessidade de contínuos avanços nessa linha e, mais do que isso, que é preciso determinação normativa a assegurar a concretude e validade dos atos que impeçam tais condutas.
Entre os motivos apontados para que as vítimas de crimes sexuais ainda possam estar sujeitas a ofensas morais e ao uso de sua conduta social e vida privada como argumentos da defesa do réu para desqualificá-la, Comin ressalta que, em que pese o CPP prever a possibilidade de o magistrado indeferir as provas consideradas irrelevantes ou impertinentes, na prática a previsão genérica gera insegurança em razão da possibilidade de a defesa alegar cerceamento de defesa e até mesmo a configuração do crime de abuso de autoridade.