"Localização, espaço físico, qualidade construtiva, arquitetônica e ambiental, existência de serviços e infraestrutura, acesso a espaços públicos, áreas livres e áreas verdes. Esse conjunto de fatores tem determinado quem é mais vulnerável, quem pode cumprir ditames de proteção e prevenção, desde práticas simples, como lavar as mãos, até demandas mais complexas, como distanciamento e trabalho remoto, quem tem acesso a serviço de saúde e quem corre mais risco de morte", exemplificou. O palestrante comentou que os moradores de regiões periféricas, assentamentos informais, cortiços, conjuntos habitacionais e bairros precários têm sido mais afetados no contexto da pandemia.
A relação do ordenamento territorial e das políticas de solo com o processo da pandemia também foi ressaltada como uma questão da segregação socioespacial pelo pesquisador. "Além das desigualdades socioeconômicas, a pandemia também tem agravado desigualdades socioterritoriais há muito existentes. A crise de moradia global direta e indiretamente reflete o ordenamento territorial, bem como a estrutura fundiária subjacente", ressaltou Fernandes.
O palestrante também fez observações sobre obstáculos que o Estatuto da Cidade enfrenta para a sua efetividade. "Hoje em dia, na verdade, parece que nós estamos caminhando na direção de um certo abandono desse marco da lei federal, com resistências municipais crescentes à atualização dos Planos Diretores. Novas leis, medidas provisórias e decretos federativos estão propondo uma outra cultura jurídica, política, urbanística, que não é a do Estatuto da Cidade", destacou.
O pesquisador também ressaltou que, mesmo com problemas, o Estatuto da Cidade conseguiu promover muito progresso na questão ambiental urbana: "É fundamental reconhecer avanços inegáveis; 1.450 Planos Diretores aprovados, em si, são um feito histórico".
Após a palestra de abertura, o Promotor de Justiça Alexandre Schmitt dos Santos mediou o debate entre o palestrante convidado, Professor Dr. Edesio Fernandes, o Promotor de Justiça da 32ª PJ da Capital e Diretor da Escola do MP, Paulo Antonio Locatelli, e o advogado especialista em Direito Urbanístico/IBDU Marcelo Leão.
O Promotor de Justiça Paulo Antonio Locatelli comentou a fala do professor sobre a necessidade de atuação relacionada entre as questões ambientais, urbanísticas e sociais. "O Ministério Público tem, com toda certeza, um campo muito fértil de atuação ainda a ser explorado, como bem colocou o professor, no que diz respeito a essa costura entre o ambiental, urbanístico e o social", observou.
O Promotor de Justiça Alexandre Schmitt dos Santos comentou que a interação entre os atores da política urbanística precisa ser ter o diálogo fortalecido. "Talvez o papel maior do Promotor de Justiça nessa realidade pós-Constituição de 1988 é servir como elo aglutinador entre esses vários atores. Parece-me que o Ministério Público é a única instituição que consegue fazer a conciliação entre o poder econômico, o poder político, os vários setores da Administração Pública e a sociedade".
O advogado especialista em Direito Urbanístico pelo IBDU Marcelo Leão ressaltou, em sua intervenção, que o Estatuto da Cidade garante o cumprimento das funções sociais da propriedade e da cidade e a garantia à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, ao transporte e ao serviço público, ao trabalho e ao lazer. O advogado disse que, para a efetivação desses direitos, é preciso uma reparação histórica, tendo o recorte racial, para incluir todos no processo de construção das cidades para todos. "Se a pandemia mostrou todo esse desequilíbrio que existe, toda essa injustiça, traduzida até em mapeamento em que se concentram mais a doença e as mortes, se a pandemia diz isso e se nós temos que aprender com a pandemia e buscar esse equilíbrio com reparação, então significa dizer que o Estatuto da Cidade está mais vivo e atual do que nunca, porque ele aponta caminhos para isso", afirmou Leão.