Post

"Se a Justiça Restaurativa é aplicável numa situação tal qual uma catástrofe climática, certamente ela pode ser incorporada em situações menos traumáticas, menos estressantes, que a gente vive no dia a dia". A constatação foi de Leoberto Brancher, após a palestra de Sandra Ganzer ao final da primeira mesa do 2° Encontro Catarinense de Justiça Restaurativa, na sede do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), em Florianópolis. 

Sandra Ganzer apresentou a aplicação prática da Justiça Restaurativa no caso da tragédia climática que acometeu o Rio Grande do Sul, por meio do projeto "Mutirão Restaurar RS". O projeto foi desenvolvido pelo próprio Desembargador Leoberto Brancher, que falou sobre a teoria da metodologia em uma mesa que teve a mediação da Subcorregedora-Geral do MPSC, Cristiane Rosália Maestri Böell.   

Brancher explicou, em sua palestra, que o modelo atual de Justiça é resultado de um processo civilizatório para a limitação da vingança privada - o 'olho por olho, dente por dente". 'Ela vai perpassando a história ocidental até que chega à constituição do Estado moderno com a tripartição de poderes, com o contrato social, com a atribuição da última palavra em nome da lei, em nome do poder da cidadania atribuída às instituições e ao controle da vingança através da força pública", destacou. 

Post

Essa Justiça, para o palestrante, tem como propósito a pacificação, mas não alcança esse resultado, pois proporciona vivências dolorosas, de subjugação, medo, ameaças, hostilidades, rancores e confrontos dolorosos que se estabelecem entre pessoas em disputa no teatro do processo judicial. 

Brancher  sustentou que a Justiça Restaurativa emerge da natureza e da própria natureza humana, e que essa linguagem é a linguagem fundamental dos valores humanos. "Precisamos aprender novamente a ouvir esses corações. Por isso, apostar numa Justiça fundada em valores é uma transformação substancial para o processo de virada civilizatória. Por que que a sociedade não pode resolver seus conflitos em espaços comunitários, nas paróquias, nos templos, nas ONGs? Quando é possível que o pequeno conflito seja resolvido por consenso? Reservemos a coerção institucional para questões de violência mais grave e assim nós podemos fazer essa transposição", afirmou.  

Para essa transposição, há necessidade de construir novas habilidades de comunicação, de interlocução em situações de extrema dificuldade. É na dimensão da extrema dificuldade do processo criminal que nós vamos ser desafiados a estabelecer elos de comunicação com pessoas que se enfrentaram, segundo o palestrante. Isso não é a tarefa singela de chegar e abrir uma roda de conversa. "Nós precisamos método. A dimensão prática da Justiça Restaurativa significa você buscar aprendizagens de metodologias estruturadas de diálogo que possibilitem essas conversas em situações complexas e extremamente dolorosas", asseverou. 

Post
Para Brancher,  a habilidade de diálogo não é útil apenas em situações criminais de extrema violência, mas no cotidiano das relações, e é nesse sentido que surge a metodologia dos círculos de construção de paz. "Pela sua flexibilidade metodológica, ele não se aplica apenas a crimes e conflitos, mas a situações de convivência - construção de relacionamentos, de fortalecimento de vínculos familiares, de integração de equipes de trabalho, de construção de senso de pertencimento comunitário", completou. 

A experiência no Rio Grande do Sul 

Sandra Ganzar informou, ao abrir sua palestra, que trazia alguns números do projeto "Mutirão Restaurar RS". "Esses números não são só dados, são elementos que contam uma parte importante da história da Justiça Restaurativa e do Rio Grande do Sul nesse momento tão ímpar e a nossa experiência de como fazer a gestão em meio à tragédia, na facilitação dos círculos, nos encontros com as pessoas', disse. 

Ela explicou que foi montada uma estrutura para acolher com qualidade todas as pessoas, para que elas se sintam acolhidas e respeitadas. Essa estrutura contou com órgãos parceiros, plataformas on-line para gestão de conteúdo e capacitação, modelos de roteiros estruturados para trabalhar na tragédia, frentes de trabalho e captação de voluntários.