Confira abaixo a entrevista com o Promotor de Justiça Eduardo Sens dos Santos
Como surgiu a ideia do livro "Linchamento de Chapecó"?
A história do linchamento de Chapecó já tinha sido muito bem contada em Chapecó pela professora Monica Hass. Entretanto, quando cheguei na comarca, surgiu meu interesse por conhecer uma das fontes primárias, o processo que julgou os acusados do linchamento. Afinal, 83 homens haviam sido denunciados pelo promotor José Daura como responsáveis pela barbárie. Ficaram presos por dois anos num moinho improvisado como cadeia. Poucos foram condenados, um deles o delegado de polícia da época.
A curiosidade ficou ainda maior quando as dificuldades surgiram. Porém, outros afazeres deixaram a história do linchamento latente. Anos depois e com o assunto sempre vivo na cidade (embora sempre com informações desencontradas), resolvi que era hora de retomar. Comecei sozinho a transcrição numa rotina sólida. Todos os dias a primeira coisa a fazer de manhã era transcrever algumas páginas, dez no mínimo. Só então notei que a digitalização que eu tinha era incompleta. Tentei encontrar o processo original, que não estava no fórum, mas sim no arquivo do Judiciário, em Florianópolis. Pedi acesso e me foi negado. Foi necessária intervenção do Procurador-Geral para que o Museu do Judiciário escaneasse todos os volumes.
De posse daquela imensidão, me senti incapaz de continuar. Por sorte, com o apoio de diversos setores, organizamos uma equipe interessada, vocacionada e, com dez voluntárias, transcrevemos todo o processo. Foi um trabalho de mais de um ano só para a transcrição. Nesse meio-tempo, documentos novos foram encontrados, como os radiogramas no arquivo da PGJ. Por eles, se percebia a grandeza do processo e se sobressaía a coragem e o empenho pela justiça do promotor do caso. Foi dele um radiograma ao procurador-geral da época, algumas horas apenas depois do linchamento, pedindo reforços. Sem a vinda do destacamento de Joaçaba para Chapecó, acredito que o crime teria ficado impune. Mesmo fora do processo, a atuação do promotor José Daura foi impressionante.
À medida que eu lia todos aqueles depoimentos, a Chapecó de 1950 ia se desenhando na minha frente. A cidade, seus personagens, seus enredos, tudo está muito bem registrado nos interrogatórios, nas falas das testemunhas, nos despachos. Aquele calhamaço de papel não falava só do crime; falava de um mundo que já não existe, de uma lógica de autoritarismo que felizmente já é passado, mas que é importante para entender as atuais lógicas contemporâneas. Achei então que era necessário trazer ao público em geral toda essa informação. Era preciso lembrar dos fatos, conhecer as múltiplas versões do processo, para que esse, que deve ter sido o maior processo criminal da história de Santa Catarina, pudesse ser explorado pelos pesquisadores, pelos historiadores, sociólogos, cientistas políticos, juristas.
Qual foi o principal objetivo?
O objetivo, então, foi sempre o de relembrar os fatos, compilar o emaranhado processual de modo fácil, compreensível e direto e não permitir que essa história se perdesse. É preciso lembrar para não repetir. Para o historiador, um manancial de informações; para o cientista político, para o sociólogo, um xadrez de relações humanas intrincadas baseadas ora na força, ora na informação, ora no dinheiro; para o jurista, uma tipologia processual já há muito ultrapassada, um caminho na compreensão do presente e do futuro do processo penal.
Quanto tempo durou e como foi o processo de produção? Além da transcrição do processo, houve alguma entrevista? Se houve, com quem?
Além da transcrição, buscamos documentos na PGJ, como pareceres dos procuradores nos recursos, os radiogramas e matérias de jornal, que encontramos na internet. Fiz uma longa entrevista com o Dr. José Daura, então com 101 anos, no meio da pandemia. Ele me atendeu por quase três horas e lembrava de detalhes riquíssimos do processo. Uma memória invejável, um dinamismo como poucas vezes vi na vida.
Quais foram as pessoas do MPSC que contribuíram para a concretização do livro e de que forma contribuíram?
O CEAF e a PGJ apoiaram tudo desde o começo, desde a ideia inicial, prontamente aceita. Tive total liberdade para fazer o melhor possível. Sem esse apoio, não teria sido possível chegar ao final. A editora da Unochapecó, a Argos, teve também papel essencial, assim como a COMSO, o Memorial, a Gerência de Biblioteca, a Gerência de Arquivo, a Gerência de Revisão.
Por fim, como o senhor avalia o resultado? O objetivo inicial foi alcançado?É cedo para dizer se o resultado foi alcançado. O livro foi concluído. Graças ao trabalho da Argos e da gráfica Pallotti, ficou muito melhor do que eu imaginava. Mas os resultados que me moveram levarão outros vários anos. A transcrição vai servir de base para futuras pesquisas, para rediscutir a história catarinense, para robustecer o diálogo nos ambientes culturais catarinenses e brasileiros. Foi um passo pequeno, mas, creio eu, um passo bastante sólido.
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