Dentro dos inquéritos civis instaurados para apurar possíveis quebras no equilíbrio contratual entre escolas e pais ou responsáveis, a 29ª Promotoria de Justiça da Capital apresentou ao SINEPE, em reunião na manhã desta terça-feira (5/5), duas recomendações - uma para o ensino infantil e outra para o ensino dos níveis fundamental e médio - para que os estabelecimentos de ensino adéquem e negociem o pagamento das mensalidades e façam os ajustes de valores e a recomposição das aulas e atividades de forma transparente.

As escolas têm até o dia 15 de maio para apresentar todas as medidas de adequação de custos e do calendário escolar decorrentes da suspensão das aulas presencias para evitar o contágio da covid-19. 

Em um inquérito civil, a recomendação é um instrumento extrajudicial utilizado para que a parte possa ajustar possíveis problemas e, com isso, se evite uma ação judicial. No caso das escolas particulares, as recomendações apresentadas na manhã de hoje são diferentes e específicas para os estabelecimentos da educação infantil e para as escolas dos ensinos fundamental e médio, mas apresentam alguns pontos e diretrizes em comum: esgotar todas as possibilidades de negociação com pais ou responsáveis que enfrentam dificuldades para pagar as mensalidades escolares antes de encerrar o contrato; apresentar a variação de custos que impactam sobre as mensalidades devido aos ajustes com infraestrutura e manutenção decorrentes das medidas de contenção à covid-19; e apresentar com clareza a recomposição do calendário escolar de maneira que não haja prejuízos pedagógicos aos alunos.

Educação infantil

Para a educação infantil, a recomendação destaca as particularidades desse serviço, que vai muito além do ensino, pois, por ser a "primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade".

Assim, para essa etapa da educação, a recomendação destaca que, embora o Parecer 5/2020 do Conselho Nacional de Educação tenha admitido as atividades não presenciais ou remotas para essa faixa, "as peculiaridades inerentes à educação infantil, notadamente a circunstância de que a realização de atividades não presenciais ou remotas, ainda que sejam admitidas, não abrangem a dimensão de cuidado - atividade tipicamente presencial - de que está imbuída essa modalidade de ensino".

Dessa forma, a recomendação deixa claro que os estabelecimentos devem facilitar a renegociação de valores e prazos de pagamento aos pais e responsáveis das crianças de creches e pré-escolas afetados financeiramente pelas medidas de combate à pandemia. Para isso, devem abrir todos os canais necessários para a negociação, além de apresentarem, de forma transparente, a nova composição de custos decorrente da adequação da manutenção das estruturas e serviços durante a suspensão das atividades presenciais, bem como medidas de compensação pelos serviços que não puderam ser ofertados ou foram interrompidos.

Da educação básica ao ensino médio

Para todas as faixas, da educação infantil ao ensino médio, as recomendações determinam que as escolas apresentem medidas de compensação dos valores ou recomposição das mensalidades nos casos de serviços prestados por terceiros, mas que deixarem de ser executados ou oferecidos durante o período em que as aulas presenciais estiverem suspensas por força dos decretos estaduais que determinam medidas de isolamento social para combater a disseminação da covid-19. É o caso dos serviços de alimentação ou de atividades extracurriculares complementares às atividades de ensino que ocorrem nas sedes das escolas ou das universidades.

As recomendações também visam a garantir a qualidade do ensino. Nesse sentido, exigem a apresentação de medidas relativas à recomposição do calendário escolar e à adequação da estrutura e da programação pedagógica para que os conteúdos não sejam afetados em decorrência dos ajustes metodológicos e de infraestrutura necessários para a oferta remota e os alunos não sejam prejudicados.

As bases das recomendações são a transparência e a manutenção do equilíbrio contratual para que os pais e responsáveis possam acompanhar os impactos sobre a planilha de custos e a composição dos valores das mensalidades decorrentes das iniciativas adotadas pelos estabelecimentos de ensino para se adequarem às medidas de emergência contra a pandemia.

As recomendações, na íntegra, podem ser lidas ao final da página.


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Inquérito Civil n. 06.2020.00001904-1 (RECOMENDAÇÃO PARA ESCOLAS PARTICULARES - ENSINO MÉDIO E FUNDAMENTAL

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por sua Promotora de Justiça, nos autos do Inquérito Civil n.06.2020.00001904-1, no uso de suas atribuições institucionais, com fundamento nos arts. 127 e 129, II e III, da Constituição da República Federativa do Brasil; nos arts. 25, IV, "a", e 26, I, ambos da Lei n. 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); nos arts. 90, 91, I, e 92, da Lei Complementar Estadual n. 738/2019 (Consolidação das Leis Instituidoras da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público) e no Ato n. 395/2018 da Procuradoria-Geral de Justiça;

CONSIDERANDO que o Ministério Público, nos termos do art. 129, III, da Constituição da República, possui legitimidade para a tutela dos interesses difusos e coletivos, dentre os quais a defesa do consumidor (art. 81, parágrafo único, I a III, e 82, I, do Código de Defesa do Consumidor ¿ Lei n. 8.078/1990 ¿ CDC, bem como art. 5º, § 6º, da Lei n. 7.347/1985);

CONSIDERANDO que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou, na data de 11 de março do corrente ano, a pandemia de COVID-19, doença causada pelo coronavírus (SARS-Cov-2);

CONSIDERANDO a promulgação da Lei Federal n. 13.979/2020, norma que instituiu as principais medidas sanitárias e sociais de combate ao novo coronavírus;

CONSIDERANDO o disposto na Portaria n. 356/2020/GM/MS, que regulamentou a Lei n. 13.979/2020, disciplinando a adoção e a aplicação das medidas previstas;

CONSIDERANDO a edição da Portaria Interministerial n. 5/2020/MS/MJSP, que dispõe sobre o caráter compulsório das medidas previstas pela Lei Federal n. 13.979/2020;

CONSIDERANDO a publicação dos Decretos Estaduais n. 509/2020, 515/2020, 525/2020, 562/2020 e 587/2020, que estabeleceram as medidas específicas para o controle da pandemia em Santa Catarina (restrições de atividades, serviços, circulação, entre outros), em regime de quarentena, especialmente os arts. 7°, II, ¿c¿, do Decreto n. 525/2020, e 8º, II, ¿c¿, do Decreto n. 562/2020, este último, alterado pelo art. 1º do Decreto n. 587/2020, pelos quais se determina que ficam suspensas, em todo o território catarinense, sob regime de quarentena, por tempo indeterminado, as aulas nas unidades das redes pública e privada de ensino, municipal, estadual e federal, incluindo educação infantil, ensino fundamental, nível médio, educação de jovens e adultos (EJA), ensino técnico e ensino superior, sem prejuízo do cumprimento do calendário letivo, o qual deverá ser objeto de reposição oportunamente;

CONSIDERANDO que o Ministério da Educação publicou as Portarias n. 343, 345 e 395/2020, autorizando, desde 18/03/2020 e até 18/05/2020 (período em vigor), que nas instituições de ensino superior integrantes do Sistema Federal de Ensino ocorra a substituição do ensino presencial pela utilização de tecnologias de informação e comunicação, cabendo aos Estados e aos Municípios a regulamentação das demais esferas do ensino que estão sob sua gestão;

CONSIDERANDO a edição da Medida Provisória n. 934, de 1º de abril de 2020, que estabelece normas excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de que trata a Lei n. 13.979/2020;

CONSIDERANDO o teor da Resolução CEE n. 009/2020, que estabeleceu o regime especial de atividades escolares não presenciais, para fins de cumprimento do calendário letivo do ano de 2020, definido essencialmente pela manutenção das atividades pedagógicas sem a presença de estudantes e professores nas dependências escolares, no âmbito de todas as instituições ou redes de ensino públicas e privadas, da Educação Básica, Profissional e Superior, pertencentes ao Sistema Estadual de Educação de Santa Catarina, prevendo duração por 30 (trinta) dias, a partir de 19 de março de 2020, podendo ser alterado de acordo com as orientações das autoridades estaduais e sanitárias;

CONSIDERANDO que o Sistema Estadual de Educação compreende as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada (art. 17, inciso III, da Lei n. 9.394/1996; e art. 11 da Lei Complementar Estadual n. 170/1998); e que os Sistemas Municipais de ensino compreendem as instituições de ensino infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada (art. 18, inciso II, da Lei Federal n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO que a educação escolar básica é livre à iniciativa privada, atendidas as condições legais, a saber, o ¿cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino¿; a ¿autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público¿; e a ¿capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituição Federal¿ (art. 7º, incisos I, II e III, da Lei Federal n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO que incumbe à União a coordenação da política nacional de educação, notadamente o exercício da função normativa em relação às demais instâncias educacionais (art. 9º, § 1º, da Lei n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO que cumpre ao Estado e aos Municípios baixar normas complementares para os seus Sistemas de Ensino, bem como autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos educacionais privados respectivos (art. 10, incisos IV; e V e art. 11, incisos III e IV, da Lei Federal n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO que, embora os Municípios possuam autonomia em relação ao Estado de Santa Catarina para editar normas cujo objetivo seja regulamentar os seus respectivos Sistemas de Ensino (arts. 153 e 155 ambos da lei Ordinária Estadual n. 4.394/1969), estão obrigados a atender os regramentos editados pelo Conselho Nacional de Educação;

CONSIDERANDO que a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (arts. 29 e 30 da Lei Federal n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO o disposto no art. 31, III, da Lei Federal n. 9.394/1996, que dita a regra comum na educação infantil de atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o turno parcial, e de 7 (sete) horas para a jornada integral;

CONSIDERANDO o disposto no art. 7º, II, da Resolução CEB/CNE n. 5/2009, no sentido de que a proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve garantir que elas cumpram plenamente sua função sociopolítica e pedagógica, assumindo a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e cuidado das crianças com as famílias;

CONSIDERANDO que as instituições de Educação Infantil devem assegurar a educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como algo indissociável ao processo educativo;

CONSIDERANDO que o Parecer n. 5/2020 do Conselho Nacional de Educação[1] expressamente admitiu a promoção de atividades não presenciais ou remotas em relação à educação infantil, inclusive;

CONSIDERANDO as peculiaridades inerentes à educação infantil, notadamente a circunstância de que a realização de atividades não presenciais ou remotas, ainda que sejam admitidas, não abrangem a dimensão de cuidado ¿ atividade tipicamente presencial - de que está imbuída essa modalidade de ensino;

CONSIDERANDO que os municípios são incumbidos de oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 11, V, da Lei n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO que a realização de atividades não presenciais ou remotas no âmbito dos Sistemas Municipais de Ensino dependerão de regulamentação específica dos respectivos Conselhos Municipais de Educação (art. 11, III, da Lei n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO o disposto no art. 5º, XXXII, da Constituição Federal (CF), que imputa ao Estado a promoção da defesa do consumidor, na forma da lei;

CONSIDERANDO ser a defesa do consumidor direito fundamental (art. 5º, XXXII, da CF) e princípio da ordem econômica (art. 170, V, da CF), bem como tendo em vista a natureza cogente do Código de Defesa do Consumidor (CDC ¿ Lei n. 8.078/1990) que, na forma de seu art. 1º, é de ordem pública e interesse social;

CONSIDERANDO que o art. 6º da Constituição Federal, relaciona a educação como direito social do cidadão brasileiro, e o art. 206, VII da mesma Carta, estipula que é princípio do ensino brasileiro a garantia de padrão de qualidade;

CONSIDERANDO que o ensino pode ser prestado por empresa privada, entretanto, por se tratar de serviço de natureza pública, deve obedecer às condições de sua prestabilidade na forma imposta pelo Poder Público, regramento este disposto no art. 209 da Magna Carta;

CONSIDERANDO que os serviços educacionais prestados pela rede privada de ensino se submetem às disposições do Código de Defesa do Consumidor, visto que se está diante de uma típica relação contratual de consumo, formada pela díade consumidor, enquanto destinatário final (art. 2º, caput, do CDC), e fornecedor de serviços educacionais, consoante art. 3º, caput e §2º do CDC;

CONSIDERANDO que, pela contraprestação dos serviços educacionais, os alunos consumidores ou os seus responsáveis legais devem arcar com o pagamento de anuidades ou semestralidades escolares do ensino pré-escolar, fundamental, médio e superior, disciplinadas pela Lei n. 9.870/90 (dispõe sobre o valor total das anuidades escolares e dá outras providências);

CONSIDERANDO a nota de esclarecimento emitida pelo Conselho Nacional de Educação, em 18 de março de 2020, com orientações aos Sistemas e estabelecimentos de ensino, de todos os níveis, etapas e modalidades, que porventura tenham necessidade de reorganizar as atividades acadêmicas ou de aprendizagem, em face da suspensão das atividades escolares por conta da necessidade de ações preventivas da propagação do COVID-19;

CONSIDERANDO que, como fruto do princípio da transparência nas relações de consumo (art. 4º, caput, do CDC) e do direito básico à informação (art. 6º, III, do CDC), deve o fornecedor disponibilizar o instrumento contratual, contendo todos os dados relativos à prestação do serviço, inserindo-se, nesse rol, os valores devidos pelo serviço, mediante apresentação de planilha de custos, esta regulamentada no Anexo ao Decreto Federal n. 3.274/1999;

CONSIDERANDO que, ante a suspensão temporária das aulas presenciais na rede privada de ensino, surgiram dúvidas quanto à continuidade ou não do pagamento das mensalidades escolares, assim como em relação a outras questões associadas ao tema;

CONSIDERANDO que o contrato educacional se caracteriza, dentre outros elementos, pelo aspecto fundamental da aplicação didática do processo de ensino e aprendizado para a transmissão de um conhecimento ou técnica ¿ marcadamente pela sua prestação continuada, por período letivo distendido no tempo de seis meses (semestral) ou de um ano (anual);

CONSIDERANDO que o diploma consumerista privilegia a manutenção do negócio jurídico (art. 6º, V, do CDC), afastando-se, ao menos em um primeiro momento, a medida extrema de extinção contratual, em homenagem à função social do contrato (art. 421 do Código Civil ¿ CC);

CONSIDERANDO que é vedado ao fornecedor de produtos e serviços, dentre outras práticas abusivas, prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, ou exigir dele vantagem manifestamente excessiva (art. 39, IV e V, do CDC);

CONSIDERANDO que a situação atual tem gerado significativos impactos em diversas áreas, inclusive nos campos social e econômico, sendo consabido que parte da população vivencia redução de seus vencimentos e, até mesmo, perda de empregos, com nítidos reflexos no orçamento familiar;

CONSIDERANDO a edição da Medida Provisória n. 936/2020, que assegura a possibilidade de suspensão temporária do contrato de trabalho durante o estado de calamidade pública, pelo prazo máximo de sessenta dias;

CONSIDERANDO que a eventual redução dos custos operacionais das instituições de ensino, tais como aqueles verificados no consumo de energia elétrica, água, material de expediente e material de limpeza, além de redução de serviços terceirizados e serviços extras (alimentação, atividades extracurriculares, contraturno etc), é um fator a ser sopesado, não sendo razoável se exigir o cumprimento integral de obrigações financeiras sem a efetiva contraprestação integral do serviço ou, ainda, em condições diversas e inferiores àquelas originalmente pactuadas;

CONSIDERANDO que o surgimento de fator superveniente à formação contratual (como é o caso da pandemia do coronavírus), além de justificar a suspensão excepcional da atividade, em especial a prestada por meio presencial, poderá ensejar, também, a revisão do instrumento contratual, direito básico do consumidor pontilhado no art. 6º, V, do CDC, como forma de se garantir a não incidência de prestações desproporcionais ou a onerosidade excessiva em desfavor do consumidor, tudo no intuito de harmonizar os interesses dos participantes, viabilizando-se, ao final, o equilíbrio nas relações entre fornecedor e consumidor, este último reconhecidamente a parte vulnerável no mercado de consumo (art. 4º, I e III, do CDC);

CONSIDERANDO que a responsabilidade social da instituição de ensino pressupõe, caso possua condições materiais de fazê-lo, a manutenção dos empregos, o repasse ao consumidor da eventual redução dos seus custos operacionais e a busca de soluções que permitam ao consumidor que teve perda ou redução de renda a continuidade de pagamento das mensalidades;

CONSIDERANDO que a responsabilidade social do consumidor pressupõe, por sua vez, caso possua condições materiais de fazê-lo, a manutenção dos pagamentos em dia;

CONSIDERANDO, ainda, as tratativas realizadas no 16 de abril de 2020, em reunião com as presenças do Ministério Público de Santa Catarina, por meio de seu Centro de Apoio Operacional do Consumidor, do Procon Estadual, do Sindicato das Escolas Particulares de Santa Catarina (SINEPE) e da Associação de Mantenedoras Particulares de Educação Superior de Santa Catarina (AMPESC);

CONSIDERANDO, por fim, a instauração do presente Inquérito Civil, com vistas a apurar suposto desequilíbrio contratual nos contratos escolares dos ensinos fundamental e médio, no município Florianópolis, decorrente da pandemia causada pelo coronavírus, RESOLVE,

R E C O M E N D A R

Ao Sindicato das Escolas Particulares do Estado de Santa Catarina (SINEPE/SC) que, em busca de uma atuação transparente, clara e informativa, oriente aos representantes legais das instituições de ensino filiadas, conforme autorizações dos respectivos sistemas de educação, prestadoras de serviços educacionais privados nos níveis de ensino fundamental, ensino médio e ensino técnico, para que adotem as seguintes providências, até 15 de maio de 2020:

1. Privilegiem a negociação com os consumidores visando à manutenção dos contratos, inclusive com a continuidade do pagamento das mensalidades escolares, adotando-se as seguintes diretrizes:

a) na hipótese de impossibilidade de pagamento, deve ser assegurada ao consumidor a opção pelo cancelamento do contrato, sem quaisquer ônus, preferencialmente após esgotados todos os esforços das partes na busca de soluções que permitam ao aluno ou aos seus responsáveis legais dar continuidade aos pagamentos;

b) no tocante ao pagamento de contratos acessórios, a exemplo de atividades extracurriculares e alimentação, cobradas à parte, deverão ser suspensos, enquanto perdurar a paralisação das aulas presenciais;

c) após a retomada das atividades presenciais, o pagamento de contratos acessórios deverá ser proporcional aos dias em que o serviço vier a ser prestado;

d) caso o pagamento de tais serviços acessórios já tenha sido realizado, sem que tenha havido a efetiva prestação da atividade, o valor correspondente deverá ser integralmente restituído ou abatido em prestações futuras, a depender do que for ajustado entre as partes;

e) as instituições de ensino privadas deverão manter ou criar, imediatamente, canais de comunicação, inclusive online, a fim de prestar todas as informações e esclarecer todas as dúvidas de qualquer natureza (seja de cunho administrativo, financeiro ou pedagógico), assim como viabilizar acordos e negociações individualizadas, com prazo máximo de resposta aos alunos/pais/responsáveis em 48 (quarenta e oito) horas; e

f) na eventualidade de atraso no pagamento, que os estabelecimentos de ensino privadas se abstenham de realizar a cobrança de juros, multa de mora ou quaisquer outros encargos financeiros dos consumidores, especialmente dos alunos/pais/responsáveis que tiveram sua situação financeira comprometida, ainda que parcialmente, por conta da situação atual e excepcional de pandemia.

2. Elaborem e divulguem aos alunos/pais/responsáveis, até 15 de maio de 2020:

a) plano de reformulação do calendário escolar, com reposição das aulas presenciais e da correspondente programação pedagógica, após o término das medidas restritivas impostas pelo Estado (atualmente, por prazo indeterminado), na forma orientada no Parecer 05/2020 do CNE, e levando-se em consideração, para tanto, nesse momento, a projeção de possível retorno das aulas para início dos meses de junho, julho ou agosto, com o devido atendimento da carga horária mínima, caso seja essa mantida pelos órgãos competentes, e das demais diretrizes da base curricular de ensino;

b) apresentem justificativa da manutenção ou redução dos custos operacionais, demonstrando-a mediante detalhada planilha mensal de custos que contemple os meses de setembro a dezembro de 2019, e de janeiro a abril de 2020, segundo as seguintes diretrizes:

c) a adoção das providências indicadas nos itens acima deverá ser informada e comprovada, de maneira clara e compreensível, aos alunos e/ou responsáveis financeiros;

d) os estabelecimentos deverão indicar o planejamento dos prováveis custos vindouros, referentes ao ano letivo de 2020, sem descurar do dever de a instituição de ensino promover reembolsos ou compensações futuras nos casos de pagamento, a maior, já realizados nos meses em que as aulas permaneceram suspensas, a depender da casuística e da negociação entre as partes envolvidas;

e) na hipótese de comprovação de redução dos custos, advinda da suspensão das aulas presenciais, no pagamento das futuras mensalidades deverá ser concedido desconto proporcional à redução, em percentual variável conforme a realidade espelhada na planilha de custos, apresentada por cada prestador do serviço educacional, proporcionando-se, assim, a revisão dos valores da mensalidade;

f) as orientações contidas no presente item também deverão ser observadas, no que forem aplicáveis, pelos prestadores de serviços que disponibilizaram, originariamente, ou que passaram a disponibilizar, em caráter de substituição às aulas presenciais suspensas, atividades remotas ou não presenciais ou ensino a distância, em qualquer modalidade (EaD, telepresencial e semipresencial), atentando-se para a validação deste tipo de ensino pelos órgãos competentes;

g) no que se refere aos prestadores de serviços educacionais que passaram a oferecer, em substituição às aulas presenciais suspensas atividades remotas ou não presenciais ou ensino a distância, em qualquer modalidade, poderão ser considerados os eventuais custos de implementação dos sistemas tecnológicos, desde que a adoção deste modelo preserve o padrão de qualidade do ensino e, respeitadas suas particularidades, mantenha as características essenciais do serviço contratado; e

h) as disciplinas que, por sua natureza, não permitam o modelo remoto de ensino (tais como aulas de laboratório), deverão ter os correspondentes valores considerados para efeito de redução de custos e, caso já pagos, deverão ser integralmente restituídos ou compensados futuramente, conforme negociação entre as partes.

Outrossim, com fundamento no art. 129, III e IV, da Constituição Federal; art. 8º, §1º, da Lei Federal n. 7.347/85; art. 26, II, da Lei n. 8.625/93; e art. 91, XII, da Lei Complementar Estadual n. 738/2019, requisita-se, no prazo de 2 (dois) dias, informações a respeito do atendimento desta RECOMENDAÇÃO, inclusive das medidas adotadas e efetivamente cumpridas, e, se for o caso, de provas documentais.

Florianópolis, 5 de maio de 2020.

Analú Librelato Longo

Promotora de Justiça

TIAGO SILVA MUSSI

Diretor do Procon Estadual de Santa Catarina



[1] O Parecer n. 5/2020 foi elaborado pelo Conselho Nacional de Educação em 28 de abril de 2020 e possuirá efeito normativo tão logo seja homologado pelo Ministério da Educação.

Inquérito Civil n. 06.2020.00001914-1 (recomendação a estabelecimentos de educação infantil)

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por sua Promotora de Justiça, nos autos do Inquérito Civil n.06.2020.00001914-1, no uso de suas atribuições institucionais, com fundamento nos arts. 127 e 129, II e III, da Constituição da República Federativa do Brasil; nos arts. 25, IV, "a", e 26, I, ambos da Lei n. 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); nos arts. 90, 91, I, e 92, da Lei Complementar Estadual n. 738/2019 (Consolidação das Leis Instituidoras da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público) e no Ato n. 395/2018 da Procuradoria-Geral de Justiça;

CONSIDERANDO que o Ministério Público, nos termos do art. 129, III, da Constituição da República, possui legitimidade para a tutela dos interesses difusos e coletivos, dentre os quais a defesa do consumidor (art. 81, parágrafo único, I a III, e 82, I, do Código de Defesa do Consumidor ¿ Lei n. 8.078/1990 ¿ CDC, bem como art. 5º, § 6º, da Lei n. 7.347/1985);

CONSIDERANDO que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou, na data de 11 de março do corrente ano, a pandemia de COVID-19, doença causada pelo coronavírus (SARS-Cov-2);

CONSIDERANDO a promulgação da Lei Federal n. 13.979/2020, norma que instituiu as principais medidas sanitárias e sociais de combate ao novo coronavírus;

CONSIDERANDO o disposto na Portaria n. 356/2020/GM/MS, que regulamentou a Lei n. 13.979/2020, disciplinando a adoção e a aplicação das medidas previstas;

CONSIDERANDO a edição da Portaria Interministerial n. 5/2020/MS/MJSP, que dispõe sobre o caráter compulsório das medidas previstas pela Lei Federal n. 13.979/2020;

CONSIDERANDO a publicação dos Decretos Estaduais n. 509/2020, 515/2020, 525/2020, 562/2020 e 587/2020, que estabeleceram as medidas específicas para o controle da pandemia em Santa Catarina (restrições de atividades, serviços, circulação, entre outros), em regime de quarentena, especialmente os arts. 7°, II, ¿c¿, do Decreto n. 525/2020, e 8º, II, ¿c¿, do Decreto n. 562/2020, este último, alterado pelo art. 1º do Decreto n. 587/2020, pelos quais se determina que ficam suspensas, em todo o território catarinense, sob regime de quarentena, por tempo indeterminado, as aulas nas unidades das redes pública e privada de ensino, municipal, estadual e federal, incluindo educação infantil, ensino fundamental, nível médio, educação de jovens e adultos (EJA), ensino técnico e ensino superior, sem prejuízo do cumprimento do calendário letivo, o qual deverá ser objeto de reposição oportunamente;

CONSIDERANDO que o Ministério da Educação publicou as Portarias n. 343, 345 e 395/2020, autorizando, desde 18/03/2020 e até 18/05/2020 (período em vigor), que nas instituições de ensino superior integrantes do Sistema Federal de Ensino ocorra a substituição do ensino presencial pela utilização de tecnologias de informação e comunicação, cabendo aos Estados e aos Municípios a regulamentação das demais esferas do ensino que estão sob sua gestão;

CONSIDERANDO a edição da Medida Provisória n. 934, de 1º de abril de 2020, que estabelece normas excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de que trata a Lei n. 13.979/2020;

CONSIDERANDO o teor da Resolução CEE n. 009/2020, que estabeleceu o regime especial de atividades escolares não presenciais, para fins de cumprimento do calendário letivo do ano de 2020, definido essencialmente pela manutenção das atividades pedagógicas sem a presença de estudantes e professores nas dependências escolares, no âmbito de todas as instituições ou redes de ensino públicas e privadas, da Educação Básica, Profissional e Superior, pertencentes ao Sistema Estadual de Educação de Santa Catarina, prevendo duração por 30 (trinta) dias, a partir de 19 de março de 2020, podendo ser alterado de acordo com as orientações das autoridades estaduais e sanitárias;

CONSIDERANDO que o Sistema Estadual de Educação compreende as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada (art. 17, inciso III, da Lei n. 9.394/1996; e art. 11 da Lei Complementar Estadual n. 170/1998); e que os Sistemas Municipais de ensino compreendem as instituições de ensino infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada (art. 18, inciso II, da Lei Federal n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO que a educação escolar básica é livre à iniciativa privada, atendidas as condições legais, a saber, o ¿cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino¿; a ¿autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público¿; e a ¿capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituição Federal¿ (art. 7º, incisos I, II e III, da Lei Federal n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO que incumbe à União a coordenação da política nacional de educação, notadamente o exercício da função normativa em relação às demais instâncias educacionais (art. 9º, § 1º, da Lei n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO que cumpre ao Estado e aos Municípios baixar normas complementares para os seus Sistemas de Ensino, bem como autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos educacionais privados respectivos (art. 10, incisos IV; e V e art. 11, incisos III e IV, da Lei Federal n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO que, embora os Municípios possuam autonomia em relação ao Estado de Santa Catarina para editar normas cujo objetivo seja regulamentar os seus respectivos Sistemas de Ensino (arts. 153 e 155 ambos da lei Ordinária Estadual n. 4.394/1969), estão obrigados a atender os regramentos editados pelo Conselho Nacional de Educação;

CONSIDERANDO que a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (arts. 29 e 30 da Lei Federal n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO o disposto no art. 31, III, da Lei Federal n. 9.394/1996, que dita a regra comum na educação infantil de atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o turno parcial, e de 7 (sete) horas para a jornada integral;

CONSIDERANDO o disposto no art. 7º, II, da Resolução CEB/CNE n. 5/2009, no sentido de que a proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve garantir que elas cumpram plenamente sua função sociopolítica e pedagógica, assumindo a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e cuidado das crianças com as famílias;

CONSIDERANDO que as instituições de Educação Infantil devem assegurar a educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como algo indissociável ao processo educativo;

CONSIDERANDO que o Parecer n. 5/2020 do Conselho Nacional de Educação[1] expressamente admitiu a promoção de atividades não presenciais ou remotas em relação à educação infantil, inclusive;

CONSIDERANDO as peculiaridades inerentes à educação infantil, notadamente a circunstância de que a realização de atividades não presenciais ou remotas, ainda que sejam admitidas, não abrangem a dimensão de cuidado ¿ atividade tipicamente presencial - de que está imbuída essa modalidade de ensino;

CONSIDERANDO que os municípios são incumbidos de oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 11, V, da Lei n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO que a realização de atividades não presenciais ou remotas no âmbito dos Sistemas Municipais de Ensino dependerão de regulamentação específica dos respectivos Conselhos Municipais de Educação (art. 11, III, da Lei n. 9.394/1996);

CONSIDERANDO o disposto no art. 5º, XXXII, da Constituição Federal (CF), que imputa ao Estado a promoção da defesa do consumidor, na forma da lei;

CONSIDERANDO ser a defesa do consumidor direito fundamental (art. 5º, XXXII, da CF) e princípio da ordem econômica (art. 170, V, da CF), bem como tendo em vista a natureza cogente do Código de Defesa do Consumidor (CDC ¿ Lei n. 8.078/1990) que, na forma de seu art. 1º, é de ordem pública e interesse social;

CONSIDERANDO que o art. 6º da Constituição Federal, relaciona a educação como direito social do cidadão brasileiro, e o art. 206, VII da mesma Carta, estipula que é princípio do ensino brasileiro a garantia de padrão de qualidade;

CONSIDERANDO que o ensino pode ser prestado por empresa privada, entretanto, por se tratar de serviço de natureza pública, deve obedecer às condições de sua prestabilidade na forma imposta pelo Poder Público, regramento este disposto no art. 209 da Magna Carta;

CONSIDERANDO que os serviços educacionais prestados pela rede privada de ensino se submetem às disposições do Código de Defesa do Consumidor, visto que se está diante de uma típica relação contratual de consumo, formada pela díade consumidor, enquanto destinatário final (art. 2º, caput, do CDC), e fornecedor de serviços educacionais, consoante art. 3º, caput e §2º do CDC;

CONSIDERANDO que, pela contraprestação dos serviços educacionais, os alunos consumidores ou os seus responsáveis legais devem arcar com o pagamento de anuidades ou semestralidades escolares do ensino pré-escolar, fundamental, médio e superior, disciplinadas pela Lei n. 9.870/90 (dispõe sobre o valor total das anuidades escolares e dá outras providências);

CONSIDERANDO a nota de esclarecimento emitida pelo Conselho Nacional de Educação, em 18 de março de 2020, com orientações aos Sistemas e estabelecimentos de ensino, de todos os níveis, etapas e modalidades, que porventura tenham necessidade de reorganizar as atividades acadêmicas ou de aprendizagem, em face da suspensão das atividades escolares por conta da necessidade de ações preventivas da propagação do COVID-19;

CONSIDERANDO que, como fruto do princípio da transparência nas relações de consumo (art. 4º, caput, do CDC) e do direito básico à informação (art. 6º, III, do CDC), deve o fornecedor disponibilizar o instrumento contratual, contendo todos os dados relativos à prestação do serviço, inserindo-se, nesse rol, os valores devidos pelo serviço, mediante apresentação de planilha de custos, esta regulamentada no Anexo ao Decreto Federal n. 3.274/1999;

CONSIDERANDO que, ante a suspensão temporária das aulas presenciais na rede privada de ensino, surgiram dúvidas quanto à continuidade ou não do pagamento das mensalidades escolares, assim como em relação a outras questões associadas ao tema;

CONSIDERANDO que o contrato educacional se caracteriza, dentre outros elementos, pelo aspecto fundamental da aplicação didática do processo de ensino e aprendizado para a transmissão de um conhecimento ou técnica ¿ marcadamente pela sua prestação continuada, por período letivo distendido no tempo de seis meses (semestral) ou de um ano (anual);

CONSIDERANDO que o diploma consumerista privilegia a manutenção do negócio jurídico (art. 6º, V, do CDC), afastando-se, ao menos em um primeiro momento, a medida extrema de extinção contratual, em homenagem à função social do contrato (art. 421 do Código Civil ¿ CC);

CONSIDERANDO que é vedado ao fornecedor de produtos e serviços, dentre outras práticas abusivas, prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, ou exigir dele vantagem manifestamente excessiva (art. 39, IV e V, do CDC);

CONSIDERANDO que a situação atual tem gerado significativos impactos em diversas áreas, inclusive nos campos social e econômico, sendo consabido que parte da população vivencia redução de seus vencimentos e, até mesmo, perda de empregos, com nítidos reflexos no orçamento familiar;

CONSIDERANDO a edição da Medida Provisória n. 936/2020, que assegura a possibilidade de suspensão temporária do contrato de trabalho durante o estado de calamidade pública, pelo prazo máximo de sessenta dias;

CONSIDERANDO que a eventual redução dos custos operacionais das instituições de ensino, tais como aqueles verificados no consumo de energia elétrica, água, material de expediente e material de limpeza, além de redução de serviços terceirizados e serviços extras (alimentação, atividades extracurriculares, contraturno etc), é um fator a ser sopesado, não sendo razoável se exigir o cumprimento integral de obrigações financeiras sem a efetiva contraprestação integral do serviço ou, ainda, em condições diversas e inferiores àquelas originalmente pactuadas;

CONSIDERANDO que o surgimento de fator superveniente à formação contratual (como é o caso da pandemia do coronavírus), além de justificar a suspensão excepcional da atividade, em especial a prestada por meio presencial, poderá ensejar, também, a revisão do instrumento contratual, direito básico do consumidor pontilhado no art. 6º, V, do CDC, como forma de se garantir a não incidência de prestações desproporcionais ou a onerosidade excessiva em desfavor do consumidor, tudo no intuito de harmonizar os interesses dos participantes, viabilizando-se, ao final, o equilíbrio nas relações entre fornecedor e consumidor, este último reconhecidamente a parte vulnerável no mercado de consumo (art. 4º, I e III, do CDC);

CONSIDERANDO que a responsabilidade social da instituição de ensino pressupõe, caso possua condições materiais de fazê-lo, a manutenção dos empregos, o repasse ao consumidor da eventual redução dos seus custos operacionais e a busca de soluções que permitam ao consumidor que teve perda ou redução de renda a continuidade de pagamento das mensalidades;

CONSIDERANDO que a responsabilidade social do consumidor pressupõe, por sua vez, caso possua condições materiais de fazê-lo, a manutenção dos pagamentos em dia;

CONSIDERANDO, ainda, as tratativas realizadas no 16 de abril de 2020, em reunião com as presenças do Ministério Público de Santa Catarina, por meio de seu Centro de Apoio Operacional do Consumidor, do Procon Estadual, do Sindicato das Escolas Particulares de Santa Catarina (SINEPE) e da Associação de Mantenedoras Particulares de Educação Superior de Santa Catarina (AMPESC);

CONSIDERANDO, por fim, a instauração do presente Inquérito Civil, com vistas a apurar suposto desequilíbrio contratual nos contratos escolares do ensino infantil, no município Florianópolis, decorrente da pandemia causada pelo coronavírus, RESOLVE,

R E C O M E N D A R

Ao Sindicato das Escolas Particulares do Estado de Santa Catarina (SINEPE/SC) que, em busca de uma atuação transparente, clara e informativa, oriente aos representantes legais das instituições de ensino filiadas, conforme autorizações dos respectivos sistemas de educação, prestadoras de serviços educacionais privados nos níveis de ensino infantil, para que adotem as seguintes providências, até 15 de maio de 2020:

1. Privilegiem a negociação com os consumidores visando à manutenção dos contratos, inclusive com a continuidade do pagamento das mensalidades escolares, adotando-se as seguintes diretrizes:

a) na hipótese de impossibilidade de pagamento, deve ser assegurada ao consumidor a opção pelo cancelamento do contrato, sem quaisquer ônus, preferencialmente após esgotados todos os esforços das partes na busca de soluções que permitam ao aluno ou aos seus responsáveis legais dar continuidade aos pagamentos;

b) no tocante ao pagamento de contratos acessórios, a exemplo de atividades extracurriculares e alimentação, cobradas à parte, deverão ser suspensos, enquanto perdurar a paralisação das aulas presenciais;

c) após a retomada das atividades presenciais, o pagamento de contratos acessórios deverá ser proporcional aos dias em que o serviço vier a ser prestado;

d) caso o pagamento de tais serviços acessórios já tenha sido realizado, sem que tenha havido a efetiva prestação da atividade, o valor correspondente deverá ser integralmente restituído ou abatido em prestações futuras, a depender do que for ajustado entre as partes;

e) as instituições de ensino privadas deverão manter ou criar, imediatamente, canais de comunicação, inclusive online, a fim de prestar todas as informações e esclarecer todas as dúvidas de qualquer natureza (seja de cunho administrativo, financeiro ou pedagógico), assim como viabilizar acordos e negociações individualizadas, com prazo máximo de resposta aos alunos/pais/responsáveis em 48 (quarenta e oito) horas; e

f) na eventualidade de atraso no pagamento, que os estabelecimentos de ensino privadas se abstenham de realizar a cobrança de juros, multa de mora ou quaisquer outros encargos financeiros dos consumidores, especialmente dos alunos/pais/responsáveis que tiveram sua situação financeira comprometida, ainda que parcialmente, por conta da situação atual e excepcional de pandemia.

2. Observem as orientações constantes nos itens 1 a, b, c e d, nos moldes indicados e no que forem compatíveis, sempre se considerando as peculiaridades inerentes à educação infantil, notadamente porque a realização de atividades não presenciais ou remotas, ainda que, havendo regulamentação específica pelos Conselhos Municipais de Educação, sejam admitidas, não abrangem a dimensão de cuidado ¿ atividade tipicamente presencial - de que está imbuída essa modalidade de ensino.

3. Sob tal ótica, deverão os estabelecimentos educacionais realizar, além da reformulação do calendário escolar, a necessária manutenção do equilíbrio contratual, sobretudo, por meio da concessão de descontos no pagamento das mensalidades e/ou negociação de compensação com outros serviços prestados pela escola (alimentação, atividades extracurriculares, contraturno, etc.), em razão da suspensão das atividades presenciais.

Outrossim, com fundamento no art. 129, III e IV, da Constituição Federal; art. 8º, §1º, da Lei Federal n. 7.347/85; art. 26, II, da Lei n. 8.625/93; e art. 91, XII, da Lei Complementar Estadual n. 738/2019, requisita-se, no prazo de 2 (dois) dias, informações a respeito do atendimento desta RECOMENDAÇÃO, inclusive das medidas adotadas e efetivamente cumpridas, e, se for o caso, de provas documentais.

Florianópolis, 5 de maio de 2020.

[assinado digitalmente]

Analú Librelato Longo

Promotora de Justiça



[1] O Parecer n. 5/2020 foi elaborado pelo Conselho Nacional de Educação em 28 de abril de 2020 e possuirá efeito normativo tão logo seja homologado pelo Ministério da Educação.