Você acha que é possível reduzir a reincidência em casos de violência doméstica por meio conscientização do autor? Em Coronel Freitas, no Oeste do estado, há dois anos, a Promotoria de Justiça da comarca desenvolve o projeto "Lei Maria da Penha em Ação", que busca exatamente isso. O trabalho é desenvolvido de forma individual ou por meio de grupos reflexivos e segue um protocolo assinado com o Poder Judiciário local e as Secretarias de Assistência Social de cada um dos municípios da comarca.
A Promotora de Justiça Roberta Seitenfuss, idealizadora do projeto, explica que a ideia surgiu em razão do alto número de casos de violência doméstica observados na comarca. O alto volume ficou evidenciado depois da instituição do acordo de não persecução penal (ANPP), fazendo com que os processos de violência doméstica se tornassem a maioria em tramitação.
"Além disso, a atuação nos casos sempre demonstrou que o problema da violência doméstica não é isolado e envolve diversos fatores sociais e culturais que precisam ser trabalhados para que haja redução nos casos de violência. Aliada a esses fatores, ocorreu uma mudança legislativa na Lei Maria da Penha, a partir da qual passou a ser possível cobrar a participação coercitiva, ou seja, obrigatória dos autores de violência doméstica em programas de recuperação e acompanhamento psicossocial", disse.
Para o Promotor de Justiça Gustavo Moretti Staut Nunes, que atualmente é titular da Comarca de Coronel Freitas, embora recente, o projeto vem demonstrando grande eficácia, pois, nas cinco edições já concluídas do programa, todos os participantes que avaliaram o projeto o consideraram relevante para a sua vida pessoal. Além disso, 63 dos 82 participantes não apresentaram reiteração no crime.
"É importante a participação do Ministério Público em projetos com essa temática, porque ela promove a transformação social com a melhoria das condições de segurança pública e no ambiente doméstico familiar, a partir de um enfoque educativo e ressocializador sobre os agressores prestado fora do ambiente penitenciário e que busca desconstruir alguns padrões de comportamento e de pensamento que, embora enraizados na nossa cultura, contribuem para a perpetuação da violência doméstica. Dessa forma, cabe ao MP atuar para instituir esses grupos reflexivos nas comarcas requerendo a inclusão dos agressores nas manifestações sobre medidas protetivas e fiscalizando seu correto cumprimento", destaca.
Vânia Martinelli Pereira é assistente social há cerca de 20 anos e há seis meses trabalha diretamente no programa com outros profissionais do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) de Coronel Freitas. Ela relata que é muito gratificante fazer parte desse processo de mudança dos participantes.
"Este programa é uma experiência única. É uma oportunidade que os homens estão tendo de falar sobre as suas dores, suas dificuldades. É um momento único de reflexão e de mudança. Isso é grandioso na política pública de assistência social, porque os homens raramente têm oportunidade de estar em grupos e de participar de atividades. Nós já estamos na sexta edição do programa e a maioria dos participantes saiu muito melhor do que entrou", enfatiza.
O que dizem os participantes dos grupos?
O trabalho psicossocial desenvolvido em grupos ou com atendimento individualizado proporcionou aos participantes reflexões profundas sobre suas ações e conta com a avaliação positiva dos próprios agentes.
João*, nome fictício, relata que a participação no grupo lhe trouxe uma nova visão para as atitudes no dia a dia. "A princípio eu relutei um pouco a participar do grupo, mas depois que eu vim na primeira reunião acabei gostando e vi que a finalidade é orientativa. Aprendemos a lidar melhor com certas situações da vida, diferente do que fazíamos antigamente. Diversas pessoas deveriam fazer essas reflexões", afirma.
Já Pedro*, também nome fictício, expõe que antes do grupo não compreendia muito sobre direitos e deveres de cada um e que agora sabe da importância de respeitar as medidas protetivas impostas, por exemplo. "Para mim está sendo uma experiência muito boa, porque antes de participar do grupo minha cabeça era diferente, pensava que resolver as coisas com briga era a solução, mas agora sei que não é assim", finaliza.