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Em 2020, uma carta entregue na 2ª Promotoria de Justiça de Jaguaruna intitulada "desespero" narrava fatos que chamaram a atenção do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e que seriam, a partir daquele momento, foco de uma série de ações voltadas à conscientização sobre o tratamento de dependentes químicos na cidade do Sul do estado.    

O manuscrito relatava a situação de pouco mais de 40 pessoas internadas em uma comunidade terapêutica e expostas a situações de risco. Naquele momento, a Promotora de Justiça Raísa Carvalho Simões Rollin, que atua na área de direitos humanos e cidadania, conseguiu, com o auxílio de sua equipe, do Serviço de Assistência Social do Município, da Polícia Civil e de familiares de pacientes, a remoção das pessoas. Ali iniciava o que viria a ser o projeto Terapia Legal.    

O objetivo do projeto é ampliar o conhecimento da população sobre o correto tratamento para dependentes químicos, garantir a regularidade no funcionamento das comunidades terapêuticas, capacitar profissionais da rede pública e ampliar o conhecimento do dependente químico sobre os seus direitos.     

"O Terapia Legal se baseia, essencialmente, na campanha educacional sobre o correto tratamento dos dependentes químicos do município e levantou um tema muito sensível de provável realidade em muitas cidades de todo o país: o acolhimento forçado de pessoas em comunidades terapêuticas e o tratamento desumano vivenciado nesses locais. Em síntese, o projeto trabalha com três premissas: a conscientização do poder público sobre as formas previstas em lei de tratamento para drogadição; a conscientização das comunidades terapêuticas ao correto tratamento; e a conscientização da comunidade e familiares", explica a Promotora de Justiça.   

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Na prática   

Em seus quase três anos de atuação, o projeto fiscaliza as comunidades terapêuticas para o correto tratamento. Isso levou ao fechamento de duas delas e à regularização de uma terceira na cidade de Jaguaruna. A Promotoria distribuiu cartilhas aos acolhidos com seus direitos descritos, entregou formulários às equipes de saúde, que hoje classificam e encaminham melhor os atendimentos, e ainda foi responsável pela reativação do conselho antidrogas no município.   

Sidclei José Duarte é coordenador de uma comunidade terapêutica que se adequou à lei e segue em funcionamento, por meio do projeto, ele se tornou também vice-presidente do conselho municipal. "Só tenho a agradecer ao Ministério Público por ter aberto os nossos olhos em relação ao tratamento com os dependentes químicos. Eu também fui um usuário de álcool e eu não gostaria de ser tratado como o pessoal vinha sendo tratado antes do projeto", relata.    

Acolhimento correto gera resultados   

Morador de Jaguaruna há sete anos, Leonardo da Silva Souza é uma das pessoas que estava acolhida em uma comunidade terapêutica contra a própria vontade. No local, ele era impedido de sair, tinha seu cartão de benefício retido e vivia em um ambiente inadequado. "Minha família não me aguentava mais, mas também quem aguenta alguém que bebia tanto e incomodava? Eles só queriam me ajudar, daí me colocaram lá, mas hoje, fora, eu estou bem melhor, não bebo mais, não quero mais isso para mim", conta o ex-acolhido.   

Leonardo segue o tratamento com medicamentos e apoio da rede municipal de saúde, mas sem ser forçado a estar na comunidade. "As pessoas com dependência química viviam uma verdadeira reclusão, tanto física quanto dos seus direitos mais básicos. Desconstruir uma cultura muito enraizada, fazendo com que as pessoas acreditassem que a transformação seria possível e positiva, foi a tarefa mais árdua", conta a Assistente de Promotoria Larissa França Pereira. 

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Comunidades acolhem, não internam   

A Promotora vibra com os resultados do projeto até o momento, lembra que a atuação segue firme e reforça que a internação é feita em hospitais com ordem judicial em casos extremos. "O termo internação já nos confunde muito. A internação é usada para os hospitais. Na comunidade, usamos o termo "acolhimento". Esse acolhimento pressupõe voluntariedade; esse é o grande ponto em que a gente esbarrava. As famílias queriam levar os dependentes e a gente explicava que a pessoa precisava querer, do início ao fim", relata Raísa.   

Resultados visíveis   

A 2ª Promotoria de Justiça, executora do projeto, lida, além da cidadania, com casos criminais. O tráfico de entorpecentes, por exemplo, é pauta frequente da PJ, problema que tem sido tratado por meio do projeto. "Os reflexos aparecem a partir do momento em que, além da criminalidade, em que temos que atuar e punir, também tratamos as pessoas para que elas não voltem a buscar essa droga. A gente precisa atuar no crime, mas também reforçar os órgãos públicos para um atendimento de qualidade a esses dependentes", acrescenta a Promotora de Justiça.   

Cartilhas e panfletos   

Além da garantia do funcionamento adequado das comunidades terapêutica, um dos grandes marcos do projeto foi a confecção de cartilhas e formulários. "As cartilhas foram feitas de próprio punho pela promotoria e com a ajuda de inúmeros órgãos que tratam desse tema. É uma cartilha de linguagem simples e clara para que a comunidade saiba como ocorre o passo a passo do tratamento e para que os acolhidos conheçam seus direitos, conta a Promotora.   

Já os formulários são destinados às equipes de saúde e às comunidades terapêuticas, que, ao depararem com situações que envolvam dependentes, devem preencher o documento, evitando encaminhamentos equivocados.