SOS Mata Atlântica apresenta mapa do desmatamento em Seminário do MPSC
Novo estudo acompanhou pela primeira vez em Santa Catarina áreas acima de 1 hectare.
Durante o último dia do Seminário "Santa Catarina (ainda) é Mata Atlântica" a pesquisadora da fundação SOS Mata Atlântica, Marcia Hirota, entregou a representantes do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e do Governo do Estado de Santa Catarina mapas que mostram o total de remanescentes florestais do bioma Mata Atlântica no estado de Santa Catarina. A ONG mapeia desde 1985 o total de mata atlântica presente em território brasileiro, porém, em suas últimas análises, a fundação estudava apenas territórios de 3 hectares ou mais. Nos novos mapas entregues hoje, a ONG analisou pela primeira vez no estado áreas a partir de 1 hectare.
Na análise anterior, referente ao período 2014-2015, o Atlas da Mata Atlântica apontou que em Santa Catarina, o bioma estava presente em 29,6% do território. Com a mudança no parâmetro de avaliação (de 3 hectares para 1 hectare), os novos mapas, referente ao período de 2015-2016, mostraram um ganho de 11,9%, apontando que hoje, em Santa Catarina, 41,4% do território é composto pelo bioma mata atlântica.
Os mapas também mostram que, entre 2015 e 2016, houve um aumento de 57% no desmatamento de mata atlântica em Santa Catarina. Isso representou uma perda de 1054 hectares de mata em todo o Estado.
O estudo foi apresentado ao público presente no Seminário e entregue ao MPSC, a Secretaria do Desenvolvimento Econômico Sustentável do Governo do Estado de Santa Catarina (SDS), ao Instituto do Meio Ambiente (IMA). Ele é de acesso público, e pode ser consultado por meio de duas plataformas. No site mapas.sosma.org.br é possível encontrar o Atlas da Mata Atlântica de todo o país, com acesso aos relatórios anuais da SOS Mata Atlântica. O outro modo de consulta aos mapas é através da plataforma 'Aqui tem mapa', onde se avalia a situação do bioma em cada uma das cidades brasileiras.
Próximos passos
O coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (CME), Promotor de Justiça Paulo Antonio Locatelli, reforçou a importância que o estudo apresentado tem para auxiliar as ações de combate ao desmatamento. "Os mapas entregues oficialmente pela SOS Mata Atlântica permitirão a identificação dos polígonos desmatados para uma atuação conjunta do MP com os demais órgãos públicos visando a conservação e a recuperação do bioma atlântica."
O objetivo da entrega dos mapas, segundo a pesquisadora da SOS Mata Atlântica Marcia Hirota, é subsidiar ações de conservação e preservação do bioma. "A intenção é que esse mapa sirva de embasamento para ações do MPSC, dos órgãos ambientais, da polícia ambiental e também para que as pessoas, em geral, conheçam onde tem mata atlântica na sua cidade e ajudem a conservar."
Segundo o Coordenador do Centro de Apoio Operacional Técnico (CAT), Promotor de Justiça João Carlos Teixeira Joaquim, a ideia é estabelecer um comparativo entre este mapa e outro que mostra as áreas remanescentes de mata atlântica em Santa Catarina referente ao ano de 2012. Este estudo, desenvolvido pela Secretaria do Desenvolvimento Econômico Sustentável, é o último considerado oficial para o MPSC. "Agora nós vamos sobrepor as imagens destes dois mapas para verificar os focos de desmatamento. A partir daí, vamos articular com o CME e com as Promotorias do Meio Ambiente para verificar qual a estratégia a ser definida", afirma João Carlos.
Por enquanto, os mapas ficarão disponíveis no CAT para acesso direto das Promotorias de Justiça, e o objetivo é que estes novos dados abasteçam o Portal do Promotor, uma plataforma que reúne dados administrativos, de gestão de gabinete, socioeconômicos e de diversos órgãos públicos para acesso dos promotores de justiça do MPSC.
O Seminário
Discutir e refletir sobre a preservação, conservação e recuperação da Mata Atlântica e entender a atuação do Ministério Público brasileiro na defesa do meio ambiente foram os objetivos do Seminário "Santa Catarina (ainda) é Mata Atlântica", que começou na quinta-feira (22/02) e terminou na sexta-feira (23/02), na sede da Procuradoria-Geral de Justiça, em Florianópolis.
Para o coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (CME), Promotor de Justiça Paulo Antonio Locatelli, "o evento cumpriu com a sua dupla finalidade, que era difundir a necessidade da interface da lei especialíssima da Mata Atlântica com as demais normas ambientais, bem como fomentar a integração dos diversos órgãos públicos estaduais e municipais e também das ONGs na proteção e recuperação do bioma."
Integrantes do Ministério Público falam sobre os desafios de conter o desmatamento e as ações para manter o que resta do bioma. O bate-papo foi mediado pela jornalista Sonia Campos e contou com as presenças dos seguintes promotores de justiça: Paulo Antonio Locatelli (Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente de Santa Catarina), Daniel Martini (Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul) e Fábio Fernandes Côrrea (Coordenador do Núcleo de Defesa da Mata Atlântica do Ministério Público da Bahia).
Na entrevista da semana a Rádio MPSC entrevistou o Diretor de Políticas Públicas da ONG SOS Mata Atlântica, Mario Cesar Mantovani. Ele falou sobre "O Brasil é a Mata Atlântica" e o Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente, Paulo Antonio Locatelli, sobre as implicações da lei que trata da regularização fundiária urbana na Mata Atlântica.
A proteção da mata atlântica depende agora dos cidadãos. Não depende mais de uma lei de Brasília. A afirmação é do Diretor de Políticas Públicas da ONG SOS Mata Atlântica, Mario Cesar Mantovani, que participou do Seminário "Santa Catarina ainda é Mata Atlântica", organizado pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). O evento começou nesta quinta-feira (22/2) e segue até amanhã, em Florianópolis.
Mantovani palestrou durante o seminário sobre "O Brasil é a Mata Atlântica." Para ele, no Brasil tudo que depende de fiscalização, de pressão, acaba dando errado, então é melhor que seja uma coisa positiva, como a gente fez na Lei da Mata Atlântica, tanto que no caput da lei é bem legal, tá escrito assim: "a lei que permite o uso e a proteção."
Confira abaixo a íntegra da entrevista com o Diretor da ONG SOS Mata Atlântica:
MPSC - Os dispositivos legais que existem hoje são suficientes para a proteção dos remanescentes da Mata Atlântica no País?
Mário César Mantovani: A Lei da Mata Atlântica tramitou durante 14 anos e é resultado de uma grande mobilização nacional, talvez uma das maiores se comparada até mesmo com o Código Florestal de hoje. Com a regulamentação da Lei da Mata Atlântica, nós conseguimos mostrar que seria o primeiro bioma a ser regulamentado e isso criou um fato muito positivo. A partir daí nós tivemos a sorte de fazer todo aquele processo de discussões, milhares de reuniões em universidades, no próprio Congresso, tudo o que você puder imaginar, movimentos sociais, todo mundo se envolveu. Quando saiu a lei da Mata Atlântica ela já era uma lei que praticamente os interesses de todos segmentos estavam ali, diferente de interesses de grupo que a gente vê hoje.
Depois disso, assim que saiu a Lei da Mata Atlântica, nós já fizemos a regulamentação dessa lei, também de modo participativo, e aí talvez foi o melhor de todas as histórias até hoje. Cada um dos 17 estados brasileiros fizeram a regulamentação. O Rio Grande do Sul disse como é a Mata Atlântica em estágio secundário, médio, avançado, usando o pessoal da biologia, do órgão ambiental do Estado. Santa Catarina fez isso. Paraná também fez isso. E o último foi o Piauí. E foi feito numa linguagem em que todos os técnicos entendessem, era um dos requisitos. E então é a única Lei que tem na Constituição, tem na Lei Federal, tem a regulamentação do Executivo, e tem a regulamentação de todos os estados. Cada estado além de regulamentar, também passou pelos seus conselhos estaduais e o CONAMA validou.
Então, nós estamos falando de uma lei, que do ponto de vista estruturante, é uma lei que consegue sair de Brasília e vir até os Estados. O próximo passo são os planos municipais de Mata Atlântica. O Conselho de Meio Ambiente do Município é que define onde e como esses remanescentes vão ser protegidos. É uma lei que hoje todo mundo acompanha. Não é aquela Lei de Brasília que todo mundo mete o pau. O arcabouço jurídico é muito bom. Ela sai da Constituição Federal e vai até o endereço da minha casa.
MPSC - O senhor acha que a população respeita essa legislação?
Mantovani: Eu acho que sim, nós tivemos poucas reações contra. Tivemos reações subterrâneas. Enquanto se estava processando o Código Florestal, a bancada ruralista tentou tirar do Ministério do Meio Ambiente um documento dizendo que a Lei da Mata Atlântica se submetia ao Código Florestal. Lógico que isso foi inconcebível, nunca aconteceu, mas eles tentaram. Do ponto de vista da população, a aceitação foi muito boa, porque nós conseguimos em tempo recorde no Brasil fazer todo esse processo. A Lei demorou para ser aprovada em razão de uma resistência do Paraná e Santa Catarina, principalmente por conta das Araucárias. Eles diziam que não era Mata Atlântica. Nós conseguimos que o IBGE fizesse rapidamente o mapa da Mata Atlântica para a aplicação da Lei. Tudo que você puder pensar de instrumentos nós conseguimos. A lei é mais que suficiente.
MPSC - Como está Santa Catarina está em relação aos outros estados no que diz respeito ao desmatamento?
Mantovani: Nós tivemos um momento de muita tensão e conflito.O governador Luiz Henrique odiava a Lei da Mata Atlântica, até porque impediu de fazer alguns empreendimentos no governo dele. Mas no final ele também acabou concordando, porque viu que tinha uma lei tão bem desenhada, tão bem elaborada que ele acabou cedendo. Depois tivemos uma grande afinidade. Ele percebeu que o trabalho era muito sério. Em relação ao desmatamento, Santa Catarina não é o nosso maior problema. O nosso maior problema hoje é Minas Gerais e Bahia também é um grande problema. E o Paraná é o estado mais resistente à Lei da Mata Atlântica.
MPSC - Quais são os principais prejuízos que o desmatamento dos remanescentes da Mata Atlântica traz para a população, especialmente nos grandes centros?
Mantovani: No início, a mata atlântica era usada para fazer conversão de floresta em agricultura. Isso antes dos ciclos econômicos do ouro, gado, cana, pau-brasil. São ciclos econômicos que foram fazendo com que a mata atlântica caísse, a ponto de que depois do café, nós já tínhamos perdido praticamente 80%, quase 90% da cobertura original. Em 1986, a gente dizia assim: estão tirando o verde da nossa terra, era um jeito de chamar atenção da população, usando a bandeira do Brasil sem a parte do verde. E depois, quando a gente fez o primeiro atlas da Mata Atlântica, nós dizíamos o seguinte: estamos perdendo um campo de futebol de floresta a cada 4 minutos. A partir daí, nós fizemos a lei, e esse movimento de agressão à mata atlântica diminuiu muito.
Agora nós estamos tendo uma pressão violenta na questão da expansão urbana. Como o que aconteceu ai no Costão do Santinho e em vários lugares de Santa Catarina, por exemplo. A expansão urbana é cruel porque ao mesmo tempo em que derruba a mata atlântica ela ainda oferece: venham morar no verde, estar próximo da natureza. Então é um contrassenso até.
A expansão urbana é muito violenta. O maior impacto e prejuízo para a sociedade é a questão da água. Aqui em São Paulo estamos com a crise hídrica em várias cidades e as represas e as áreas de abastecimento sem cobertura florestal. A mata atlântica está em 17 estados. 3.429 municípios têm a mata atlântica no seu território, ou tinha, estão no domínio do bioma, estão no domínio mata atlântica 3.249 municípios, ou seja, 70% da população, mais de 70% da economia. Ou seja, é uma floresta no nosso quintal. Por isso essa pressão violenta ela ter sido ponto de reduzir a quase menos de 10% da área original.
MPSC - O que é preciso fazer para conciliar mata atlântica e expansão urbana?
Mantovani: A sociedade no município precisa incorporar os Planos Municipais de Mata Atlântica. É preciso fazer os planos municipais de mata atlântica, porque daí são os cidadãos na sua comunidade que vão reconhecer onde estão esses fragmentos, e vão dizer o que aquela comunidade quer fazer em relação a isso - proteger a água, garantir o turismo, garantir uma agricultura melhor, sustentável, aí cada comunidade vai defender. Não depende mais de uma lei de Brasília, de uma lei complementar. No Brasil tudo que depende de fiscalização, de pressão, acaba dando errado, então é melhor que seja uma coisa positiva, como a gente fez na Lei da Mata Atlântica, tanto que no caput da lei é bem legal, tá escrito assim: "a lei que permite o uso e a proteção".
O Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente, Paulo Antonio Locatelli, falou durante o seminário "Santa Catarina ainda é mata atlântica" sobre as implicações da lei que trata da regularização fundiária urbana na mata atlântica. "A lei da Mata Atlântica é uma lei especialíssima, se sobrepõe a toda e qualquer legislação", explica.
Mesmo assim, a lei permite o uso sustentável do bioma Mata Atlântica. Para isso, é necessário que cada município tenha um plano de conservação e recuperação da Mata Atlântica. Locatelli resslta que Santa Catarina Espírito Santo e Rio de Janeiro são os únicos três estados do país que são todos biomas Mata Atlântica. "Infelizmente nós só temos um município que possui o plano municipal de recuperação e conservação da Mata Atlântica, que é a Dona Emma", complementa.
Leia abaixo a entrevista com o Coordenador do CME.
MPSC - O que é regularização fundiária e qual a importância dela para o cidadão da área urbana e rural?
Paulo Antonio Locatelli - A regularização fundiária pode ser aplicada em núcleos urbanos informais consolidados e também em áreas rurais com finalidade urbana. Ou seja, que possuem ocupações não agro-silvo-pastoris, mas sim questões de residências, moradias. A Reurbe, que é a regularização fundiária como a gente conhece, é fundamental que seja realizada porque ela envolve várias formas de regularização. Desde a regularização administrativa daquela obra, da regularização escriturária, da regularização ambiental, urbanística e social. Ela compreende todos esses fatores para ser uma verdadeira regularização fundiária.
MPSC- E qual a importância da regularização fundiária para o cidadão?
Locatelli: É a forma que o cidadão tem de regularizar a sua moradia, a sua residência, a sua empresa, a sua casa de praia. Porque a regularização fundiária se divide em regularização fundiária social e regularização fundiária específica, que são todas essas outras que não incluem na questão da baixa renda. A normatização da Reurb fica comprometida quando é muito formalista, quando às vezes é artificialmente ambiciosa, muito burocrática, quando também é regulatória ou até flexível, porque ela tramita toda no município. E o município tem que ter estrutura para iniciar o processo de regularização dessas áreas. Há várias vantagens ambientais. Uma vez afastado o risco dessas propriedades, a área de preservação permanente, por exemplo, pode ser diminuída na mata ciliar, de 30 para 15 metros. Então é passível se regularizar imóveis em APP (Áreas de Preservação Permanente), desde que o risco seja inexistente.
MPSC - Em que momento ocorre a regularização ambiental?
Locatelli: A Reurbe só vai ocorrer depois de realizado o diagnóstico socioambiental. Esse diagnóstico socioambiental faz um levantamento da área que vai ser regularizada, através de uma demarcação urbanística. Dentro desse limite, desse perímetro, são feitas diversas apurações, como por exemplo, os riscos de inundações, riscos de deslizamento, se as pessoas estão em área de risco permanente, se elas estão em área de preservação permanente. Uma vez constatado esse risco, se for regularização fundiária de interesse social, ele pode ser eliminado, corrigido e afastado com questões técnicas. Se for de interesse específico não, as pessoas vão ter que ser realocadas, e aí que entra também a questão ambiental, porque a partir do momento que o diagnóstico constata que tem áreas de relevante interesse ambiental, como por exemplo, mananciais de água, aquíferos, as pessoas também serão removidos daquela área.
MPSC - Qual a legislação aplicada para a área de mata atlântica?
Locatelli: A lei da Mata Atlântica é uma lei especialíssima, que se sobrepõe a toda e qualquer legislação, como por exemplo, o código florestal. O código florestal trata de várias questões ambientais, entre elas as áreas de preservação permanente, mas quando inseridas no bioma Mata Atlântica tem que seguir a legislação específica, a Lei nº 11.428/2006 que trata do assunto. Vamos imaginar uma tentativa de crescimento urbano, parcelamento novos do solo ou a própria regularização fundiária de obras já existentes. Existem regras que deverão ser cumpridas na Mata Atlântica, como a supressão de vegetação. Você pode cortar a vegetação em APP para utilidade pública, interesse social. Agora a lei da Mata Atlântica diz o seguinte: dependendo do estágio dessa vegetação somente 50% poderá ser cortado. Então essas regras têm que ser alinhavadas junto com os planos diretores dos Municípios.
MPSC- Como o plano de conservação e recuperação da Mata Atlântica acontece na prática?
Locatelli: Esse plano de conservação e recuperação da Mata Atlântica é um plano municipal. Todo município deveria ter esse plano, principalmente a fim de obter recursos em nível federal e para ter uma política de uso de exploração sustentável do bioma Mata Atlântica. Como Santa Catarina, junto com o Espírito Santo e Rio de janeiro, são os únicos três estados do país que são todos biomas Mata Atlântica, ele seria muito mais importante aqui do que qualquer outro estado da federação. E infelizmente nós só temos um município que possui o plano municipal de recuperação e conservação da Mata Atlântica, que é a Dona Emma. Então estamos no trabalho junto com o órgão ambiental estadual para exigir que o município faça esses planos, realizem esses planos.
Os planos devem conter um diagnóstico da vegetação nativa, um mapeamento dos remanescentes, a indicação dos principais vetores do desmatamento ou de destruição dessa vegetação nativa. Podemos constatar que são dois os principais vetores: a urbanização e a questão do agro-silvo-pastoris, que é o uso para questão de plantio e criação de gado. E também indicar nesses planos quais as áreas prioritárias para conservação e recuperação. Ou seja, ele vai eleger quais as áreas que poderão ser utilizadas para fins agro-silvo-pastoris ou crescimento urbano, e quais aquelas que devem ser conservadas e preservadas. E também indicar ações preventivas para conter o desmatamento ou a destruição dessa vegetação. E o interessante é que esse plano municipal de conservação se assemelha àquele diagnóstico socioambiental para fins de Reurbe. Um complementa o outro.
MPSC- O Ministério Público atua de que forma para a regularização fundiária?
Locatelli: Os nossos enunciados são claro em dizer que o Ministério Público, através dos Promotores de Justiça, deve exigir a realização do diagnóstico socioambiental para fim do Reurbe. Os planos municipais é uma faculdade um pouco maior. Inclusive, o órgão ambiental estadual está delegando aos Municípios para autorizar esses cortes. A atribuição num primeiro momento é do órgão estadual. O órgão ambiental autoriza desde que em um ano o Município crie o seu plano Municipal de conservação e recuperação da Mata Atlântica. Se ele não fizer, ele perde essa delegação.
MPSC- Como fazer o crescimento urbano respeitando a Mata Atlântica?
Locatelli: Há dois artigos bem simbólicos na lei da Mata Atlântica. O artigo 5 fala o seguinte: a vegetação primária ou a vegetação secundária, em qualquer estágio de regeneração que ela se encontra no bioma da Mata Atlântica, não perde essa classificação nos casos de incêndio, desmatamento ou qualquer tipo de intervenção que não foi autorizado ou licenciado. Ou seja, não é porque agora não existe mais a vegetação não vale o que era antes. Temos casos emblemáticos, que do dia para a noite aparece uma queimada e agora a pessoa acha que agora pode empreender. Não, se a vegetação é primária ou secundária, em qualquer estágio, vale o que estava. E isso é facilmente comprovado por imagens de satélites de datas anteriores.
E a outra é que os novos empreendimentos, geralmente parcelamento do solo, seja para fins de residência ou para fins industriais, que impliquem corte ou supressão de vegetação do bioma Mata Atlântica, deverão ser implantadas, preferencialmente, em áreas já substancialmente alteradas ou degradadas. Ou seja, se eu tenho num Município áreas já sem vegetação é lá que a cidade vai crescer, é para aquele lado que vai sair o crescimento da cidade, ou ali que vai sair aquela obra. Se do lado tem vegetação, sai antes onde não tem.
A Mata Atlântica é o relicário da sociedade brasileira, diz presidente da ABRAMPA
O Presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA), Promotor de Justiça Luís Fernando Barreto Cabral Júnior, palestrou durante o seminário "Santa Catarina ainda é Mata Atlântica", organizado pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). O evento ocorreu nos dias 22 e 23 de fevereiro, na sede do MPSC, em Florianópolis.
Durante o seminário, Barreto falou sobre a atuação do Ministério Público na proteção do meio ambiente. Na entrevista abaixo ele afirma que a compreensão da formação da sociedade brasileira não prescinde da compreensão do papel ecológico, histórico e cultural da Mata Atlântica. "A Mata Atlântica é o relicário de muitos dos mais caros valores da sociedade brasileira." Leia mais:
MPSC - Qual a sua avaliação acerca das propostas de alteração da legislação do licenciamento ambiental no Brasil?
Luís Fernando Barreto Cabral Júnior - As propostas referentes ao licenciamento ambiental contidas no PL nº3729/2004 não representam nenhum avanço na normatização do procedimento de licenciamento ambiental. Contemplam modalidades de licenciamento que fragilizam a fiscalização e que contrariam os princípios da prevenção e da precaução, além de conterem elementos evidentemente inconstitucionais como as listas de dispensa de licenciamento e a exclusão da certidão de uso e ocupação do solo. No tocante à publicidade e à participação popular os projetos retiram a transparência dos processos.
MPSC - Qual a sua expectativa em relação ao julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) das Ações Direta de Inconstitucionalidades (Adins) que questionam dispositivos do Código Florestal?
Barreto - O resultado não se apresenta satisfatório. Pela sua complexidade e abrangência, a matéria deveria ser tratada em arguições incidentais, nas quais os prejuízos pudessem ser melhor esclarecidos. Tornou-se um julgamento muito amplo e muito complexo.
MPSC - Como o senhor avalia a atuação do Ministério Público na área do meio ambiente no País?
Barreto - O Direito Ambiental Brasileiro foi construído no dia a dia do Ministério Público Ambiental. Quem tornou essa legislação aplicável foi o exercício da ação civil pública. Se dependesse da iniciativa do Poder Executivo e da autorregulação do setor privado, esse Direito seria menor e excludente dos interesses sociais. A atuação do Ministério Público de Meio Ambiente é a que mais resultados trouxe para a sociedade brasileira nos últimos 30 anos. Hoje, todo cidadão sabe que pode exigir e questionar uma licença ambiental ou urbanística, raro é o cidadão que não participou ou tomou conhecimento de uma audiência pública ambiental, as populações carentes afetadas por empreendimentos sabem que têm direitos socioambientais. Todo cidadão brasileiro compreende que lançar esgotos sem tratamento é crime, que poluir o ar é crime ambiental, que os resíduos sólidos exigem tratamento. Todo cidadão sabe que a fauna doméstica tem especial proteção e que o patrimônio cultural tem proteção jurídica. Tudo isso decorre das causas enfrentadas pelo Ministério Público Ambiental.
MPSC - Qual é o papel do Ministério Público na restauração da mata atlântica no Brasil?
Barreto - O papel de resgatar esse patrimônio, proteger todas as áreas remanescentes e engajar a sociedade na defesa do bioma que mais de perto conta a história da sociedade brasileira. A compreensão da formação da sociedade brasileira não prescinde da compreensão do papel ecológico, histórico e cultural da Mata Atlântica. A Mata Atlântica é o relicário de muitos dos mais caros valores da sociedade brasileira.
Para conter o avanço do desmatamento em todo país representantes do Ministério Público e de outros órgãos relacionados à conservação do meio ambiente discutem medidas de proteção, gestão e recuperação do bioma. No vídeo, saiba mais sobre o Seminário "Santa Catarina ainda é Mata Atlântica".