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O mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) contra uma decisão de 2º Grau que suspendeu liminarmente a ordem de demolição de um imóvel clandestino de veraneio na Praia de Naufragados está pautado para julgamento na sessão desta quarta-feira do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC). 

No mandado de segurança, o Ministério Público sustenta que a decisão liminar caracteriza ato arbitrário e ilegal, pois constitui ofensa direta ao texto de lei federal. A legislação processual não permite a suspensão de sentença transitado em julgado (art. 4º, § 1º, da Lei Federal 8.437/92). Acrescenta, ainda, a ilegitimidade ativa do Município, que fez o pedido da medida liminar, para a defesa de interesses particulares de parte representada no processo por defensores constituídos.   

A ação do Ministério Público visando à demolição do imóvel - que nem mesmo serve como moradia - teve sentença favorável em 2008 e transitou em julgado em 2010, tendo o mandado de desocupação e demolição do imóvel sido expedido. O imóvel em questão é ilegal, pois foi erguido sem qualquer tipo de autorização (alvará de construção, autorização ambiental etc.), em área de restinga, considerada por lei como de preservação permanente e onde as construções de edificações são proibidas.  

O caso concreto diz respeito à demolição de uma casa construída ilegalmente, fruto de invasão, por Maria da Glória Ferreira, com o único intuito de lazer e veraneio, como ela mesma reconheceu em depoimento à Justiça. Uma evidência de que o local não era para moradia é o fato de que, no curso da ação do MPSC, ela apresentou outros endereços de residência - nenhum deles na Praia de Naufragados, assim como o que consta no registro de seu veículo no Detran. Ainda, em 2012, ela ingressou com uma ação de usucapião pela posse de um terreno no bairro Campeche, no qual afirmava residir.  

Assim, ao contrário do que a ré afirma na ação, ela não faz parte de qualquer comunidade tradicional de Naufragados, até porque já foi comprovada a inexistência de comunidade tradicional no local, onde se verificou a ocorrência de invasões no final dos anos 80 e 90 do século passado, com a construção de edificações de veraneio ou recreio pelos ocupantes ilegais, conforme foi reconhecido por prova testemunhal, por perícias técnicas, por pareceres do IPUF e da FATMA e, mais recentemente, pelo TJSC na decisão proferida no Agravo de Instrumento n. 5048163-14.2022.8.24.0000.   



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Existe comunidade tradicional em Naufragados? 

Não. Quando foi criado o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, do qual significativas porções da região de Naufragados ainda fazem parte, não havia qualquer residência na área - apenas três a cinco ranchos de madeira de ocupação temporária, como atestado pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) na época.  

A ocupação da área se iniciou de forma clandestina nos anos 1980. Somente em 1984 foram identificadas poucas construções em Naufragados - todas ilegais e fruto de invasão de área de preservação permanente. Eram de 12 a 15 casas, sendo somente quatro de moradia fixa, conforme relatório da Fundação do Meio Ambiente (FATMA). 

A atividade pesqueira desenvolvida em Naufragados nunca utilizou residências permanentes, mas apenas instalações temporárias para o período da pesca. 

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A ocupante de uma casa que teve ordem de demolição transitada em julgado, que está suspensa, diz que é moradora tradicional do local. Então a informação não procede? 

Realmente não procede, e isso está documentado na ação do Ministério Público. No curso do processo, a senhora que diz ser moradora apresentou outros endereços de residência - nenhum deles na Praia de Naufragados.  

Ainda, em 2012, ela ingressou com uma ação de usucapião pela posse de um terreno no bairro Campeche, no qual afirmava residir. 

Da mesma forma, o registro no Detran de um automóvel de sua propriedade, adquirido em 2022, mostra um endereço de residência diverso.  

Em depoimento em Juízo, inclusive, a mulher reconheceu que apenas frequentava o local com o marido, até que resolveram, sem qualquer autorização do poder público, cercar uma área e construir um rancho, que foi aos poucos transformado em uma casa para veraneio e finais de semana e que só recentemente estaria ocupado de forma permanente.  

Por que os imóveis são ilegais? 

As casas foram construídas de forma clandestina, sem qualquer autorização do poder público (licença ambiental, alvará de construção etc.), em área de preservação permanente (APP) de restinga, local onde não é permitida a realização de edificações, tanto pela legislação federal (Código Florestal), quanto pelo atual Plano Diretor de Florianópolis.  

Inicialmente, a Praia de Naufragados fazia parte da área do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. Em 2009, por meio de uma alteração da legislação estadual, o local foi transformado na unidade de conservação estadual denominada "Área de Proteção Ambiental do Entorno Costeiro", mas isso não alterou a situação de ilegalidade das construções, pois as restrições estão mantidas tanto pela legislação federal como pela legislação municipal. 

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Os ocupantes atuais não ajudam a preservar a área? 

De forma alguma. A simples inspeção visual já permite verificar que a construção de casas ilegais demandou o desmatamento de áreas de preservação permanente significativas, causando danos à flora e fauna locais. Além disso, não há qualquer sistema de esgotamento sanitário para a destinação dos efluentes de eventuais ocupantes dos imóveis, tampouco serviço de coleta de lixo. 

Não é à toa que um parecer do Instituto de planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) de 2015 conclui que a ocupação da área compromete a preservação do meio ambiente, devendo-se restringir seu uso aos pescadores artesanais (com utilização controlada de estruturas de apoio temporárias e restritas ao período de pesca) e banhistas e usuários com intuito de lazer. 

Existe alternativa para a demolição dos imóveis ilegais em Naufragados? 

Não. Todas as edificações estão situadas em uma área de preservação permanente de restinga, protegida pelo Código Florestal brasileiro, por ser um ecossistema muito frágil e extremamente relevante para a preservação da fauna e da flora locais, onde não são admitidas edificações. Dessa forma, a própria legislação não permite a regularização fundiária dos imóveis clandestinos da área. 

Por que a decisão que suspendeu a demolição de uma casa de veraneio é ilegal? 

O Ministério Público sustenta que a legislação processual não permite a suspensão de decisão definitiva (art. 4º, § 1º, da Lei Federal 8.437/92), além da ilegitimidade ativa do Município para a defesa de interesses particulares de parte representada no processo por defensores constituídos. Também aponta que a decisão liminar caracteriza ato arbitrário e ilegal, pois constitui ofensa direta ao texto de lei federal.     

O Ministério Público, por meio da sua Coordenadoria de Recursos Cíveis e da Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, ingressou com recurso de agravo interno e com mandado de segurança contra a decisão de suspensão, ambos dirigidos ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça.  

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Por que o MPSC pode agir em Naufragados, mas não atua em casos como o dos beach clubs em Jurerê, por exemplo? 

Os beach clubs de Jurerê estão na faixa de marinha, ou seja, distantes menos de 33 metros da areia da praia, portanto pertencem ao domínio da União (art. 20, inciso VII, da Constituição Federal). Assim, somente o Ministério Público Federal tem atribuição de atuação nesse caso.     

Já Naufragados é uma região classificada como área de preservação permanente (APP) pela legislação federal e pela legislação municipal e é parte de duas unidades estaduais de conservação da natureza: o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro e a Área de Proteção Ambiental do Entorno Costeiro (que abrange parte de Naufragados). Nesse caso, a atribuição é do Ministério Público estadual.  

Vale ressaltar que Jurerê é uma zona urbana consolidada, ou seja, um bairro densamente habitado, integrante do perímetro urbano da cidade. Já Naufragados não está no perímetro urbano do município de Florianópolis e é desprovido de qualquer tipo de serviço público (coleta de lixo, energia elétrica, estradas, rede de água e esgoto, transporte público). Todos aqueles que edificaram em Naufragados o fizeram de forma clandestina e invadiram os terrenos que ocupam. Nenhuma licença ou ato de autoridade administrativa legitima as ocupações lá existentes. Tudo é clandestino e nenhum centavo de tributo é recolhido. 


Rádio MPSC

Ouça a entrevista com o Promotor de Justiça José Eduardo Cardoso.

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