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"A vítima não é um objeto de prova. É um ser humano, que precisa ser considerado em suas dificuldades e singularidades. O Direito Penal, sozinho, não consegue resolver às questões relativas à violência contra a mulher. São necessárias políticas públicas, mas, principalmente, romper com as estruturas que aprisionam às mulheres em locais de violência. Precisamos de operadores do Direito que tenham essa sensibilidade. Necessitamos de um novo paradigma cultural e isso começa, sem dúvida nenhuma, pelos nossos estudantes - e aqui nós tínhamos um celeiro deles."

Foi com essa perspectiva que a Procuradora-Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), Vanessa Wendhausen Cavallazzi, ministrou, na noite desta terça-feira (23/9), a aula magna do curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), em Palhoça. Com o tema "Viver sem medo: o desafio estrutural da prevenção à violência contra as mulheres", a chefe do MPSC enfatizou a importância de políticas públicas visando o combate à violência de gênero e à violência doméstica no Estado, além de analisar dados do perfil dos feminicídios, bem como o papel de instituições e órgãos públicos catarinenses. Vanessa também interagiu com os alunos da graduação e professores do curso de Direito, que lotaram o auditório da universidade. 

A PGJ iniciou a palestra se apresentando ao público que a acompanhou. Ela lembrou aos participantes da aula magna que é a primeira mulher a ser Procuradora-Geral de Justiça do MPSC. "Antes de mim, nenhuma outra mulher sequer ocupou esse espaço. Gosto de começar as minhas conversas com alunos falando isso porque o fato de, em um espaço de poder decisório como é o de uma Instituição como o Ministério Público - com as funções que o MP possui -, nunca ter havido nenhuma mulher no posto de comando, isso precisa dizer para nós que alguma coisa está errada na conformação da nossa sociedade", afirmou. 


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Em sua análise ao perfil dos feminicídios, Vanessa abordou a necessidade da promoção de segurança com foco no efetivo cumprimento dos direitos das mulheres. No ano de 2024, ocorreram 1.400 feminicídios no Brasil.  "Pode estar ficando normal para os nossos ouvidos o trato desses dados. Porém, não é minimamente digno que uma mulher perca a vida ou sofra violência unicamente porque ostenta a condição de ser mulher, mas é com isso que nós convivemos todos os dias. No século XXI, isso é minimamente aceitável?", questionou. "As mulheres têm direito à vida - e não à sobrevivência marcada pelo medo", ressaltou a PGJ. 

A Procuradora-Geral de Justiça também enfatizou a importância de desenvolver protocolos que evitem a revitimização das mulheres que sofreram algum tipo de violência. "Quantas vezes essa mulher teve que repetir a história dela e reviver tudo aquilo? Ela precisa contar a mesma história na polícia, no juízo, na área da saúde e na assistência social. As instituições - como o MP, Polícia Civil, Poder Judiciário - precisam desenvolver protocolos que evitem a revitimização dessa mulher. E isso estamos fazendo na nossa casa", destacou. 

Ao longo de sua explanação, Vanessa Wendhausen Cavallazzi caminhou pelo auditório da Unisul, abriu um espaço para perguntas e provocou a reflexão de estudantes e professores presentes na aula magna. Durante a interação, algumas mulheres contribuíram compartilhando depoimentos pessoais. Uma das alunas citou os casos de violência doméstica em cidades do interior. Após isso, a chefe do MPSC abordou as realidades distintas vivenciadas no país. "Em áreas rurais, a mulher que sofre algum tipo de violência tem muita dificuldade de acessar os equipamentos públicos - posto de saúde, assistência social, atendimento psicológico, serviços de advocacia e de justiça. De outro lado, é uma mulher que nem mesmo conhece os direitos dela. Para romper com todos esses paradigmas, tem muito mais dificuldades", disse. 


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Após esse questionamento da estudante, a Procuradora-Geral de Justiça apresentou aos participantes o projeto Prioriza, iniciativa do Ministério Público de Santa Catarina que tem como principal objetivo incorporar as diferentes realidades locais à construção estratégica da atuação institucional do MPSC. "Nós, do Ministério Público, compreendemos que as necessidades no Estado são completamente diferentes em funções dessas localidades. Dividimos o Estado em 11 regiões e vamos a cada uma delas. Dialogamos com os Promotores de Justiça de cada uma dessas regiões a respeito de quais são as prioridades do local e quais são as ações necessárias para induzir as políticas públicas que precisam ser criadas lá. Entendemos que as políticas públicas para essa mulher rural são muito diferentes do que aquelas que uma mulher que vive no centro urbano precisa ter", explicou. 

Ao final da palestra, Vanessa convocou os estudantes, além dos demais presentes, a participarem desse movimento, que rompe com o silêncio e contribuiu na luta e no combate à violência contra a mulher no Estado. "A partir de novos paradigmas de atuação, nós poderemos sonhar com uma sociedade mais igualitária, mais justa e mais segura para todos nós - não para apenas alguns", afirmou.  

A chefe do MPSC encerrou a aula magna com um recado aos participantes. "Eu queria deixar a mensagem para vocês que todos nós somos parte do problema, mas também somos parte da solução", concluiu, sob aplausos do público que a prestigiou.