Foram condenados sete agentes e ex-agentes públicos de São Joaquim, entre eles o ex-Prefeito José Nérito de Souza, e cinco pessoas ligadas a empresas, denunciados pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) após a Operação Bola de Neve, desenvolvida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) a partir de investigação da 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de São Joaquim.
As informações coletadas pelas investigações do MPSC permitiram concluir que ao menos 28 procedimentos licitatórios realizados em 2010 e 2011 foram alvo de crimes praticados pelos réus, associados em quadrilha, mediante estreita colaboração, orientada pela finalidade criminosa comum e divisão organizada do trabalho ilícito.
A Operação Bola de Neve, deflagrada em maio de 2012 para cumprimento de 30 mandados de prisão e de 52 de busca e apreensão, deu continuidade às investigações, que iniciaram oito meses antes pela 2ª Promotoria de Justiça, que na época tinha como titular o Promotor de Justiça Samuel Dal Farra Naspolini ¿ atual Secretário-Geral do MPSC. A operação permitiu comprovar irregularidades em licitações vinculadas à aquisição de serviços de reparo, manutenção e entrega de peças de veículos e máquinas pesadas.
Nas 559 páginas das alegações finais da ação - última manifestação das partes de um processo antes do julgamento - o Promotor de Justiça Gilberto Assink de Souza detalhou os papéis de cada um dos réus no esquema, dividindo a associação criminosa em dois núcleos, plenamente articulados entre si: o núcleo empresarial e o núcleo dos agentes públicos.
No núcleo empresarial, as penas mais altas aplicadas na sentença de mais de 1100 páginas - na qual houve o detalhamento da análise probatória pelo Juiz Ronado Denardi - couberam aos empresários Clauto Antônio Correa e Walmir Camargo da Silva, respectivamente 47 anos e sete meses e 23 anos e sete meses de prisão, em regime inicial fechado. Já no núcleo de agentes públicos, as maiores penas foram aplicadas ao ex-Vereador e ex-Secretário de Obras Flares Fabre de Mello, 26 anos e nove meses de prisão, e ao ex-Prefeito José Nérito de Souza, condenado a 16 anos e quatro meses de prisão, em regime semi-aberto.
A 2ª Promotoria de Justiça informou que mesmo com a condenação pretende recorrer da sentença buscando o aumento das penas, uma vez que os réus foram absolvidos de alguns dos crimes a eles imputados. Veja abaixo o papel de cada um dos réus na organização criminosa, os crimes pelos quais foram condenados e as penas aplicadas.
Núcleo Empresarial
Clauto Antônio Correa: Principal articulador do esquema ilícito. Agia aproximando-se de servidores municipais, mediante oferta de vantagem pecuniária, e, a partir das relações pessoais consolidadas, forjava licitações milionárias para venda de peças, lubrificantes e pneus. Sócio da empresa Meganopeças, foi beneficiário de desvios de dinheiro público, pois não entregava os bens licitados e não prestava integralmente os serviços pelos quais recebia. Após montar os procedimentos, distribuiu propinas para os agentes públicos que lhe favoreceram.
Crimes: Associação criminosa, fraude a licitações, corrupção ativa e peculato
Pena: 47 anos e sete meses de prisão, em regime inicial fechado
Walmir Camargo da Silva: sócio-gerente da BR Tratores, principal beneficiária dos pagamentos decorrentes das licitações fraudadas. Na prática, é chefe de Clauto. Mantém acordo criminoso com Márcio Probst Lucena, da empresa Lupac, com o qual ajustava previamente o resultado de procedimentos licitatórios.
Crimes: Associação criminosa, fraude a licitações e peculato
Pena: 23 anos e sete meses de prisão, em regime inicial fechado
Márcio Antônio Probst Lucena: dono de firma que figura em licitações do Município de São Joaquim desde de 2008, período em que começaram a surgir os primeiros indícios do esquema criminoso articulado por Clauto Correa. Ciente de que o nome de sua empresa é usado para simular aparente competição em licitações fraudadas, cede criminosamente seus documentos para que Clauto Correa e Walmir Camargo da Silva montem procedimentos licitatórios com resultados dirigidos, recebendo, em contrapartida, o apoio de Walmir e Clauto para que a Lupac vencesse licitações forjadas em outras cidades.
Crimes: Associação criminosa e fraude a licitações
Pena: quatro anos e 10 meses de prisão, em regime inicial semiaberto
Inês Nonato Galeano: companheira de Clauto Correa e responsável pelo setor administrativo da Meganopeças. Concorreu para as fraudes licitatórias porquanto se utiliza indiscriminadamente de documentos de outras empresas, os quais preenchia e repassa para que Clauto os apresentasse nas licitações como se fossem propostas legítimas das referidas firmas. Sua conta bancária era utilizada para movimentações financeiras ilícitas e pagamento de propina a agentes públicos. Mesmo não exercendo cargo público, chegou a redigir itens de editais de licitações.
Crimes: Associação criminosa e fraude a licitações
Pena: 10 anos e um mês de prisão, em regime inicial semiaberto
Ivanir Ernesto Pereira: é o principal colaborador de Clauto Correa na Meganopeças. Trabalhou por dez anos com Walmir Camargo na BR Tratores, tendo se desligado da firma por volta de agosto de 2011, quando foi auxiliar Clauto Correa na Meganopeças. Responsável pelo recebimento das solicitações de peças e pneus enviados pelas Prefeituras clientes e subseqüente remessa de materiais, concorreu decisivamente para o desvio de recursos públicos, ao encaminhar para o Município de São Joaquim bens distintos daqueles licitados e em quantidades inferiores. Elaborava orçamentos que as empresas investigadas apresentavam nas licitações fraudadas. Em outros Municípios, chegou a efetuar pagamento de propina a agentes públicos a mando de Clauto Correa. Com a intensificação das investigações a respeito das fraudes licitatórios em São Joaquim, destruiu provas relevantes consistentes em dados armazenados em computadores da Meganopeças, sob determinação de Clauto Correa.
Crimes: Associação criminosa
Pena: um ano e dois meses de prisão, em regime aberto
Núcleo dos Agentes Públicos
José Nérito De Souza: foi Prefeito de São Joaquim de 1º de janeiro de 2009 até 05 de janeiro de 2012, quando foi cassado pela Câmara de Vereadores. Firmou solicitações de materiais, homologou certames e assinou contratos derivados de licitações sabidamente fraudadas, nas quais não havia efetiva competição e pelas quais o Município adquiria bens em quantidades claramente superiores às suas necessidades. Durante o ano de 2011, emitiu cheques para pagamentos, em favor das empresas envolvidas no esquema, de mais de R$ 2 milhões de reais, ou seja, destinou cerca de 8% do orçamento anual do Município, na casa de R$ 25 milhões, para aquisição fraudulenta de pneus, peças e lubrificantes, grande parte dos quais não entregues pelas empresas contratadas, em clamoroso desvio de dinheiro público. Mesmo fora do cargo, assinou documentos públicos como se ainda fosse Prefeito, tão somente para beneficiar a quadrilha. Recebeu vantagem indevida por sua colaboração com o esquema ilícito.
Crimes: Associação criminosa, fraude a licitações, corrupção passiva e peculato
Pena: 16 anos e quatro meses de prisão, em regime inicial semiaberto
Flares Fabre de Mello: foi vereador em São Joaquim e respondeu pela Secretaria Municipal de Obras, epicentro das fraudes investigadas, desde o início de 2009 até fevereiro de 2011. Concorreu para o desvio de recursos públicos, pois atestou o recebimento de bens não entregues e era responsável pela fiscalização de serviços não prestados, novamente em favor das empresas investigadas. Sócio de Clauto Correa em empreendimentos privados, obteve vantagens materiais indevidas por sua colaboração com o esquema ilícito.
Crimes: Associação criminosa, fraude a licitações, corrupção passiva e peculato
Pena: 26 anos e nove meses de prisão, em regime inicial fechado
Jader Prochnow Nunes: é contador do Município de São Joaquim. Desempenhou papel decisivo para consumação dos desvios, ao orientar a montagem dos pregões e viabilizar a formalização dos pagamentos às empresas beneficiadas, inclusive induzindo outros servidores municipais a praticar atos irregulares para simular a legalidade dos certames, emitir os empenhos e, assim, favorecer a quadrilha. Assinou ordens de pagamento em favor das empresas de Clauto Correa e Walmir Camargo da Silva. Concorreu para o desvio de recursos públicos, posto que os bens já adquiridos ou que seriam adquiridos nas licitações fraudadas superavam em muito as necessidades do Município. Obstou dolosamente a entrega de documentos requisitados pelo Ministério Público, retardando e omitindo informações relevantes para a investigação.
Crimes: Associação criminosa, fraude a licitações e peculato
Pena: 13 anos e 10 meses de prisão, em regime inicial semiaberto
Valdecir Silva de Pontes: ex-assessor parlamentar de Nérito, ocupou o estratégico cargo comissionado de Diretor de Compras do Município. Favoreceu o esquema criminoso ao permitir que cartas-convite de procedimentos licitatórios, em tese endereçadas a várias empresas, fossem entregues apenas para Clauto Correa. Assinou o edital de processo licitatório fraudado. Atestou o recebimento de bens que não foram fornecidos pelas empresas, tendo concorrido para o desvio de recursos públicos.
Crimes: Associação criminosa, fraude a licitações e peculato
Pena: 15 anos e seis meses de prisão, em regime inicial semiaberto
Giulian Amaral Porto: cunhado de Flares Melo, servidor municipal efetivo, lotado na Diretoria de Compras, foi responsável pela materialização do esquema. Sob orientação de Clauto Correa e Jader Prochnow Nunes, forjou documentos que concretizaram as licitações fraudadas e propiciaram o desvio de recursos municipais. Fraudou licitações ao impedir a publicação dos atos convocatórios dos certames e ao obstar o acesso de possíveis interessados aos atos do procedimento. Assinou, pela Comissão de Licitações, os termos e atas de pregão que auxiliara a fraudar. Concorreu para que assinaturas ideologicamente falsas. Inutilizou documentos públicos, confiados a sua custódia, para dificultar eventuais investigações sobre seus crimes. Recebeu, por diversas vezes, vantagem econômica indevida.
Crimes: Associação criminosa, fraude a licitações, corrupção passiva, extravio sonegação e inutilização de documentos
Pena: 18 anos e 15 dias de prisão, em regime inicial fechado
André de Souza Spolti: ocupou cargo comissionado de Diretor quando Flares era Secretário de Obras. Responsável pela elaboração de orçamentos preliminares de peças e serviços que seriam licitados e pelo subseqüente fracionamento dos itens, de modo que os valores restassem abaixo dos limites legais dentro dos quais é permitida a realização de licitação por convites. Em sua gestão como Diretor de Obras, permitiu que bens não entregues e serviços não prestados pelas empresas investigadas fossem pagos pelo Município. Concorreu para o desvio de recursos públicos, pois elaborou os pedidos de peças e pneus claramente exagerados. Valeu-se de sua condição de funcionário para defender os interesses das empresas envolvidas no esquema dentro da Administração Municipal.
Crimes: Associação criminosa, fraude a licitações e peculato
Pena: 15 anos e nove meses de prisão, em regime inicial fechado
Evander Maurílio Godinho: motorista e homem de confiança de Nérito, lotado no cargo comissionado de diretor de orçamento e finanças, assumiu a incumbência de tratar com os fornecedores de peças e pneus do município, solicitando e recebendo materiais. Permitiu que o Município recebesse pneus importados, chineses principalmente, de baixa qualidade, enquanto pagava por pneus de alto gabarito. Ainda sob sua gestão o Município pagou às empresas investigadas por peças que não recebera, enquanto adquiria mais peças e pneus no comércio local. Recebeu vantagens indevidas por sua colaboração com o esquema criminoso, mediante depósitos realizados nas contas bancárias de sua sogra e seu filho.
Crimes: Associação criminosa, corrupção passiva e peculato
Pena: Oito anos e um mês de prisão, em regime inicial fechado