novo CPP
Fim do GAECO. Extinção das forças-tarefas. Ameaças à atuação independente dos jurados no Tribunal do Júri. Estes são apenas alguns dos inúmeros retrocessos na legislação criminal apontados pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) na atual proposta de Novo Código de Processo Penal (CPP) que está em discussão no Congresso Nacional.
O relatório preliminar do Novo CPP foi apresentado pelo relator da matéria, Deputado Federal João Campos (Republicanos-GO), no dia 14 de abril, e imediatamente começou a receber críticas das instituições que hoje têm a atribuição legal e constitucional de conduzir as investigações. Os riscos à investigação são tão grandes que, em muitos pontos, os impactos das mudanças sugeridas no CPP foram comparados ao que poderia ter ocorrido caso houvesse sido aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n. 37, que pretendia limitar o poder de investigação do Ministério Público e de outras instituições.
"Podemos voltar a viver tempos difíceis de impunidade caso esse projeto seja aprovado da forma como está. Essa proposta que vai criar um Novo CPP é com certeza a vitória do crime organizado e a ruína de forças-tarefas, como os GAECOs. A sociedade precisa estar atenta. Estão tentando mais uma vez enfraquecer os órgãos de investigação e de combate aos crimes de violência contra a mulher, contra a corrupção, de desvio de dinheiro público e de tantos outros", ressalta o chefe do MPSC, Fernando da Silva Comin.
O Ministério Público não é contra mudar o CPP, desde que seja para tornar os processos mais ágeis, eficientes e de acordo com a sociedade moderna. Para o Ministério Público de Santa Catarina, o problema da proposta apresentada à Câmara dos Deputados são justamente os retrocessos que o texto traz para legislação e os riscos de aumento da impunidade, tanto em crimes violentos quanto nos chamados "crimes do colarinho branco".
Entenda como o novo CPP (PL 8045/2010) enfraquece o sistema de segurança pública e limita e enfraquece a atuação do Ministério Público:
O relatório (26 de abril/2021) do novo CPP propõe restringir a capacidade investigatória do Ministério Público. O MP apenas poderá investigar quando houver risco de ineficácia da apuração dos crimes em razão do poder econômico ou político.
O texto, na prática, é uma reedição da PEC 37. A proposta também buscava limitar o Ministério Público e foi amplamente rejeitada pela Câmara dos Deputados (430 votos pela rejeição), após inúmeras manifestações da sociedade brasileira em junho de 2013.
A fixação de prazo para finalizar o inquérito policial não está de acordo com os parâmetros da legislação brasileira: o menor prazo prescricional previsto no Código Penal para a prescrição de um crime é de três anos! Enquanto o relatório do CPP fixa em 02 (dois) anos o prazo de conclusão da investigação policial.
Esse prazo estabelecido é independente das espécies delitivas, ou seja, não considera a gravidade dos delitos, tampouco a complexidade inerente a cada investigação em sua singularidade e as estruturas do Estado responsáveis pela investigação.
A medida é desproporcional e inconstitucional!
O relatório do projeto do novo CPP assegura em um primeiro momento ao inves- tigado, e também ao Delegado de Polícia, encaminharem proposta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) - que é um acordo, dispensando a ação penal nos crimes sem violência ou grave ameaça e com pena inferior a quatro anos - ao Ministério Público.
O ANPP é desdobramento lógico do princípio da obrigatoriedade que norteia a atuação do Ministério Público, devendo seguir a política criminal da Instituição (e não de terceiros, menos ainda do interessado acusado). O acordo de não persecução penal assemelha-se a um termo de ajustamento de conduta (TAC), mas aplicado no campo criminal. Tratando-se de modalidade de justiça negocial, segue os princípios e postulados básicos da transação penal e da suspensão condicional do processo, devendo ser política de segurança pública a cargo do titular da ação penal pública (Ministério Público), sob pena de esvaziamento e banalização do instituto, aumentando a impunidade.
Enquanto titular da ação penal, se atendidos requisitos objetivos e subjetivos pelo acusado ou investigado, o Ministério Público poderá deixar de promover a acusação. Acaso integralmente cumpridas as condições ofertadas e aceitas pelo proposto, será declarada a extinção da punibilidade.
Portanto, o ANPP constitui mais um instrumento de solução consensual para casos que se enquadrem como infrações de médio potencial ofensivo no mesmo compasso daquilo já tratado na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais - transação penal e suspensão condicional do processo.
Retirar do Ministério Público a autonomia na formulação da proposta constitui indevida ingerência sobre a instituição e malfere o princípio acusatório, modificando sobre-maneira o formato constante da gênese de aplicação do instituto, inicialmente previsto em Resolução do CNMP - nº 181/2017.
No texto, há a previsão de um novo instituto: investigação defensiva realizada por advogados de defesa e sem qualquer regulamentação do Estado. Não há referência a limitações constitucionais ou infralegais, ou à própria legalidade da investigação realizada.
No entanto, dentro do sistema acusatório, todos os atores processuais penais de- vem observar a legalidade e as limitações constitucionais. Atualmente há controle dos órgãos de investigação criminal.
A "investigação defensiva" é por natureza inalcançável pelo poder e controle estatal.
O relatório do novo projeto do CPP, ao sugerir a proibição da condenação com base em indícios, torna débeis os instrumentos de combate ao crime organizado. Afinal, este é um importante recurso para identificar crimes muitas vezes sem rosto, sem testemunhas e sem vestígios, sustentados e escondidos por quantias bilionárias.
Não há hierarquia entre as diversas espécies de prova. Não é sua natureza (prova direta ou indireta) que vai influir na convicção do magistrado. É a qualidade da prova, que poderá ou não convencer o juiz sobre a reconstrução histórica dos fatos, que é o seu objeto.
Na ação penal do Mensalão (Ação Penal Originária 470, do STF) os indícios foram as provas utilizadas pela condenação, e ali o STF justificou pormenorizadamente porque eles podem dar lastro à procedência da ação penal.
O atual ordenamento jurídico permite que a Polícia Judiciária e o Ministério Público utilizem a interceptação (autorizada judicialmente) combinada com outros métodos regulares de obtenção de prova. A união de múltiplas diligências investigatórias independentes dinamiza e acelera a coleta de provas e a instrução criminal.
O novo CPP burocratiza o uso da interceptação telefônica e a torna sem efeito prático. De acordo com o relatório, seriam necessários indícios suficientes de autoria para decretar essas medidas, mesmo pressuposto de oferecimento da denúncia. Portanto ou já se tem elementos para denúncia, e a interceptação é desnecessária, ou nunca se terá o permissivo para a interceptação e não será oferecida a denúncia (início do processo criminal). Ou seja, apenas após a confirmação de que alguém provavelmente cometeu um crime, poderia ser feita a interceptação, mas aí ela já seria desnecessária.
Ao exigir indícios suficientes de autoria ou participação em infração penal, dificilmente será autorizada a interceptação, que é realizada justamente para se buscar esses indícios suficientes.
A reforma do CPP, em vez de aperfeiçoar o Tribunal do Júri, desconfigurou as fases: Sumário da Culpa. Em resumo, o Sumário da Culpa é uma análise prévia e técnica a fim de que sejam submetidos ao Plenário do Júri tão somente os casos efetivamente de crimes dolosos contra a vida, e que faz a prova - e antes do plenário de julgamento - ser colhida na presença do(a) juiz(a)
O Sumário da Culpa é um procedimento já consagrado no Tribunal do Júri brasileiro e que confere a devida tutela da vida e, ao mesmo tempo, concretiza o princípio constitucional da plenitude de defesa.
Em desprestígio ao trabalho realizado pela Polícia Judiciária, o atual relatório do CPP proíbe que a coleta de provas feita no inquérito policial seja apreciada pelo Tribunal do Júri.
Há também uma outra violação: ao negar ao Conselho de Sentença a possibilidade de acessar os elementos de provas colhidos na fase investigativa, e que foram apreciados anteriormente pelo magistrado togado no juízo de admissibilidade da acusação, o novo CPP viola a ampla e irrestrita condição de exercício de soberania do Júri no julgamento da causa.
A última versão, inspirada no modelo norte-americano, determina a absolvição ou condenação devem ser por unanimidade.
Porém, determina um prazo para a votação (o que não há no modelo-norte americano). Se vencido o prazo não houver decisão, o julgamento será dissolvido (e sem dúvida isso importará na liberdade do réu, se preso estiver).
Não é só isso. O modelo propõe até três fases de votação pelos jurados: preliminar, ordinária e extraordinária, somente a primeira presidida pelo(a) Juiz(a) de Direito. Em um sistema complexo e burocrático, o relatório propõe criar hierarquia entre jurados (jurado-diretor e jurado-secretário).
Exigir a unanimidade implica em quebrar o princípio do sigilo das votações. Se o réu for condenado ele saberá que todos os jurados o condenaram.
Imagine-se o julgamento de líder de organização criminosa, responsável por graves homicídios.
Basta que um jurado tema votar pela condenação - até porque seu voto não mais será secreto - e não se chegará à unanimidade necessária, levando à dissolução do julgamento e soltura do acusado se estiver preso.
Isso vai tornar os julgamentos muito demorados e até injustos, pois prevalecerá a vontade do jurado com maior poder de convencimento sobre os demais. O júri vai virar uma prova de resistência, e é possível que alguns "desistam de sua convicção" para retomarem suas atividades. Ademais, isso pode gerar decisões arbitrárias e semeadoras de impunidade, como acolhimento de teses descabidas como legítima defesa da honra, justificando o feminicídio, e isso porque a absolvição não se dará em resposta a quesitos em que sejam votadas as teses das partes.
*Fonte: Cartilha "16 fatos que você não sabe sobre o novo CPP e que aumentarão a impunidade no Brasil", de autoria da CONAMP - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público. Acesse a íntegra do documento: https://www.conamp.org.br/images/pdfs/2021/16_fatos_que_voce_nao_sabe_sobre_o_projeto_do_novo_CPP.pdf
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