Post

Por: George André Franzoni Gil - Promotor de Justiça Coordenador do CAT/MPSC e Vannielen Neves de Abreu Florindo - assessora jurídica

Para Barros (1998), a lavagem de dinheiro envolve dissimular os ativos de modo que eles possam ser usados sem que seja possível identificar a atividade criminosa que os produziu, envolvendo, dessa forma, três etapas. A primeira delas é a colocação, a qual consiste no ingresso dos recursos ilícitos no sistema financeiro. Para isso, são realizadas as mais diversas operações. Após a colocação, iniciam-se os processos de encobrimento ou disfarce da fonte do dinheiro, criando inúmeras transações financeiras e comerciais projetadas para ocultar todo e qualquer tipo de rastro perante investigadores, esconder a verdadeira fonte e propriedade dos fundos e criar uma nova justificativa "limpa" para sua origem. A fase final do processo de integração é frequentemente interligada ou, às vezes, sobreposta à etapa anterior. Nesta fase, o dinheiro é definitivamente integrado no sistema econômico e financeiro. A integração do "dinheiro limpo" na economia é realizada pelo "lavador" que, através das etapas anteriores, faz com que este dinheiro apareça como se fosse legal.

Como bem dito por João Paulo Baltazar Jr e Sérgio Fernandes Moro, "os crimes de lavagem de dinheiro, financeiros e os praticados por organizações criminosas são de elevada complexidade, constituindo a sua investigação um desafio para as autoridades públicas".

Ademais, para que tal crime seja perfectibilizado, o agente, mediante a realização de atos encadeados no tempo e no espaço, objetiva ocultar ou dissimular a procedência criminosa de bens e integrá-los à economia, com aparência de terem origem lícita. A dissimulação, dá-se no exato momento em que se presumi a origem lícita dos valores movimentados na instituição bancária, exatamente por ser pessoa ilibada a titular da conta corrente utilizada (testa-de-ferro). Para tanto, a conduta de atribuir aparência de licitude ao dinheiro, bens e valores deve estar relacionada a determinados delitos anteriores de especial gravidade e de grande potencial lesivo, os quais, taxativamente (numerus clausus), estão inseridos no art. 1º, incisos I a VII, da Lei n. 9.613/98 (TJSC, Apelação Criminal 2003.009299-4, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 02.12.2003).

Assim, no ano de 1998, nasceu a primeira lei que trata especificamente do crime de lavagem de dinheiro. É a Lei n° 9.613/98 ou Lei de Lavagem de Dinheiro, a qual tipificou o referido crime. Com seu advento, em 3 de março de 1998, ampliou-se a capacidade do setor público brasileiro de combater o crime financeiro e o crime organizado no Brasil.

Mas, afinal, o que é a lavagem de dinheiro? O caput do Art 1° da lei n° 12.683, de 2012, traz: "Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal".

Assim, com o estabelecimento da meta 16 da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) 2006, que impôs a implantação de "laboratório-modelo de soluções de análise tecnológica de grandes volumes de  informações  para  difusão  de  estudos  sobre  melhores práticas em hardware, software e adequação de perfis profissionais", surge, em 2007,  o Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (Lab-LD), do  Departamento  de  Recuperação  de  Ativos  e  Cooperação  Jurídica  Internacional (DRCI), da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), no Ministério da Justiça e Segurança Pública (DRCI/SNJ/MJSP), o qual é responsável por desenvolver  ações  estratégicas  e  aprimorar  os  laboratórios  integrantes  da  Rede-Lab, formada por Laboratórios de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro instalados no Brasil.

A primeira unidade do LAB-LAD teve como principal característica o uso e o desenvolvimento de tecnologia de ponta que pudesse servir de suporte às Polícias Judiciárias e aos Ministérios Públicos, com reprodução do modelo para outros órgãos estaduais e federais.

Desse modo, inúmeros laboratórios de tecnologia contra lavagem de dinheiro foram criados, almejando contar com uma abordagem que empregasse uma metodologia própria para análise de dados, focada nos crimes mais complexos relacionados à corrupção, à lavagem de dinheiro e às organizações criminosas.

Os LAB-LDs utilizam uma combinação de softwares de análise de dados, mineração de informações e técnicas de cruzamento de dados para identificar e rastrear transações suspeitas. Esses laboratórios são parte da Rede Nacional de Laboratórios de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (Rede-LAB), que promove a cooperação entre diversas instituições federais e estaduais.

Destarte, desde a inauguração do primeiro LAB-LD, em 2007, a Rede-LAB tem se expandido significativamente, com unidades presentes em todos os estados brasileiros. Esses laboratórios têm desempenhado um papel crucial na desarticulação de organizações criminosas e na recuperação de ativos financeiros desviados. A análise de grandes volumes de dados financeiros permite que os investigadores identifiquem padrões e conexões que seriam impossíveis de detectar manualmente.

Os LAB-LD são fundamentais no combate à corrupção, pois permitem a identificação de fluxos financeiros ilícitos que muitas vezes estão associados a práticas corruptas. A capacidade de rastrear e analisar transações complexas ajuda a desmantelar esquemas de corrupção e a responsabilizar os envolvidos. Além disso, a cooperação entre os LAB-LD e outras agências de fiscalização fortalece a capacidade do Estado de combater os crimes organizados de maneira eficaz.

Outrossim, identificar elos e caminhos importantes em milhares de relações aparentemente sem sentido quando analisadas em tabelas e bancos de dados é uma das possibilidades de ferramentas utilizadas pelo LAB-LAD. 

Ademais, além de combater a lavagem de dinheiro, os LAB-LDs também desempenham um papel importante na detecção de outros crimes relacionados, como corrupção e financiamento ao terrorismo. Ao identificar e interromper fluxos financeiros ilícitos, tais laboratórios auxiliam no cuidado que esses recursos sejam utilizados para financiar atividades criminosas adicionais.

Apesar dos avanços, os LAB-LD enfrentam desafios contínuos, como a necessidade de atualização constante das tecnologias utilizadas e a capacitação dos profissionais envolvidos. Além disso, a cooperação internacional é essencial, dado que muitos crimes de lavagem de dinheiro envolvem transações transnacionais.

No Brasil, o Dia Nacional da Prevenção à Lavagem de Dinheiro, celebrado anualmente, tem como objetivo conscientizar a sociedade sobre a importância de combater esse delito. Neste contexto, os laboratórios de prevenção à lavagem de dinheiro desempenham um papel crucial na identificação, análise e mitigação de riscos associados a essas atividades ilegais.

O Dia Nacional da Prevenção à Lavagem de Dinheiro é um momento para refletir sobre a importância da luta contra esse crime e o papel crucial dos laboratórios de prevenção. Através de análises detalhadas e colaboração interinstitucional, esses laboratórios contribuem significativamente para a proteção da economia e a manutenção da confiança nas instituições. O fortalecimento dessas iniciativas é essencial para garantir um ambiente financeiro seguro e transparente. Investir nesses laboratórios, "follow the money", é agir onde a criminalidade organizada mais sente, no bolso.

Referências

1 BALTAZAR Jr., J.P.; MORO, S.F. 2007. Lavagem de Dinheiro "Comentários à Lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora" p. 122.

2 BARROS, M.A. de. 1998. Lavagem de dinheiro (implicações penais, processuais e administrativas). São Paulo, Editora Oliveira Mendes, p. 212.

3 BRASIL. Lei nº 9.883, de 07 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência ABIN, e dá outras providências. .

4 Boletim Científico ESMPU, Brasília, ano 22, n. 61. .

5 Controladoria-Geral da União. "Criptoativos e a lavagem de dinheiro". Disponível em: repositorio.cgu.gov.br. .

6 Lavagem de Dinheiro "Comentários à Lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp" p. 122.

7 Ministério da Justiça e Segurança Pública. "Inaugurado o 41º laboratório contra lavagem de dinheiro". Disponível em: justica.gov.br.

8 NUNES, Fábio Mangueira da Cruz: Análise exploratória e comparativa da aplicação de agrupamento para combate à lavagem de dinheiro / Fábio Mangueira da Cruz Nunes; Orientador: Methanias Colaço Rodrigues Junior, São Paulo, 2019, p. 17.

9 Rede-Lab. "Implementação de novas ferramentas de análise". Disponível em: gov.br

10 Rede-Lab. "Rede Nacional de Laboratórios de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro" REDE-LAB". Disponível em: gov.br

11 ROSA DA SILVA, JORGE LUIZ; BICCA MARQUES, LUIS FERNANDO; TEIXEIRA, ROSANE PREVENÇÃO À LAVAGEM DE DINHEIRO EM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS: AVALIAÇÃO DO GRAU DE ADERÊNCIA AOS CONTROLES INTERNOS Revista Base (Administração e Contabilidade) da UNISINOS, vol. 8, núm. 4, octubre-diciembre, 2011, pp. 300-310 Universidade do Vale do Rio dos Sinos São Leopoldo, Brasil.

12 SciELO Brasil. "Lavagem de dinheiro, interações digitais e compliance: a necessária adaptação dos entes estatais". Disponível em: scielo.br